Debora Bloch: A vida pode ser potente sempre Debora Bloch: A vida pode ser potente sempre

Debora Bloch: "A vida pode ser potente sempre"

Aos 53 anos, a atriz vive as dores e as delícias da maturidade. Solteira, independente e em ponto alto da carreira, a atriz reflete sobre a passagem do tempo

por Lia Hama em

"Entre com Debora Bloch em qualquer pista de dança no país e o DJ toca na hora ‘Bete Balanço’. É uma reverência absoluta a um ícone. Aí ela abre aquele sorriso imenso que todos amam e dança como ninguém”, conta o amigo, ator e diretor Guilherme Weber. Bete Balanço é o nome do filme de 1984 no qual Debora faz o papel de uma garota que sai de Minas Gerais e vai para o Rio de Janeiro em busca de sucesso como cantora. A música título é de Cazuza, responsável pela trilha sonora.

Aos 53 anos, Debora usa o mesmo manequim 38 da época do filme. “Mas tem peças que hoje só cabem na minha filha. Eu olho e penso: ‘Como é que eu já entrei nessa roupa?’”, conta a atriz dando risada em sua cobertura no Jardim Botânico, onde recebeu a Tpm. O corpo ainda jovial é mantido à base de pilates, natação e musculação. “Tenho prazer em fazer exercício físico e cuido da alimentação. Essa coisa da disciplina é herança dos tempos de balé na adolescência. E meu trabalho exige isso porque a TV te engorda, te aumenta.” A única cirurgia feita até hoje, jura, foi no osso do nariz, que foi suavizado.

No auge da maturidade, com um currículo de 11 novelas, 14 minisséries e seriados, 11 filmes e 12 peças, a atriz que estreou nos palcos aos 17 anos reflete sobre a passagem do tempo. “Envelhecer é uma merda porque a gente vive numa sociedade que cultua muito a juventude e não dá o devido valor à sabedoria e à experiência. Mas tem um lado bom: o tempo é um aliado do ator. Quanto mais vivência ele acumula, mais material ele tem para trabalhar. Estou me preparando há anos para um papel como o da Elisa, o mais difícil da minha carreira.”    

Elisa é sua personagem em Justiça, a elogiada minissérie que terminou de ir ao ar mês passado na Globo. Escrita por Manuela Dias e dirigida por José Luiz Villamarim, a obra é considerada um passo à frente na dramaturgia e na maneira de fazer televisão no Brasil, com quatro tramas independentes que se interligam. Debora faz a mãe que tem a filha (Marina Ruy Barbosa) assassinada pelo noivo (Jesuíta Barbosa) e quer se vingar dele. “A perda de um filho é a maior tragédia que uma mulher pode viver. Tive que visitar lugares de muita dor e sofrimento. Parecia que eu tinha levado uma surra nas filmagens”, desabafa.

Aos 21 anos, em cena de "Bete Balanço" com Hugo Carvana Aos 21 anos, em cena de "Bete Balanço" com Hugo Carvana
Aos 21 anos, em cena de "Bete Balanço" com Hugo Carvana - Crédito: EMBRAFILME/Divulgação

Uma das inspirações veio de sua faxineira, Iracema, que teve o filho assassinado ao atravessar uma favela controlada por uma facção. “Confundiram ele com um cara de uma facção rival. Foi morto por nada e ficou por isso mesmo. Quantas mulheres no Brasil não passam por essa situação? Eu quis que essas mães se sentissem representadas em sua dor, em sua indignidade e em seu sentimento de injustiça.”

Assista o bastidores da entrevista no #TripTV.

Enquanto aguardava para gravar as cenas, Debora fazia crochê para não perder a concentração. “Quando o diretor grita ‘Ação!’, você tem que estar no estado do seu personagem. Se eu estivesse fazendo piada na hora do intervalo, não conseguiria chegar na dor da Elisa. Então o crochê serviu como uma espécie de meditação para manter o foco.”

Era de Aquarius
Como uma Geena Davis dos trópicos, Debora fala com entusiasmo de Aquarius, filme do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho que concorreu à Palma de Ouro em Cannes este ano. Assim como a atriz americana, que encampou a conversa sobre gênero no cinema e na televisão fundando um instituto dedicado ao assunto, Debora comemora enquanto vê a pauta crescer no país. “Kleber prestou um serviço a todas as mulheres nesse filme. Ali você vê Clara [Sonia Braga], uma mulher de 60 anos, bela, independente, sexualmente ativa, sem precisar viver com um homem para ser feliz. Acho muito mala essa coisa da Bridget Jones, da mulher que passa a vida sofrendo, correndo atrás do príncipe encantado. Precisamos de mais Claras nas telas do cinema”, defende.

“A gente vive numa sociedade que cultua muito a juventude e não dá o devido valor à sabedoria e à experiência”
Debora Bloch

A atriz está solteira e mora sozinha em seu apartamento, após vários namoros e dois casamentos – um com o diretor de fotografia Edgar Moura e outro com o cozinheiro Olivier Anquier. Seus dois filhos com Olivier foram estudar nos EUA. Julia, 23 anos, cursa cinema em Nova York, e Hugo, 18, faz faculdade de design de games em Seattle. “Foi duro aceitar meus filhos saindo de casa porque dediquei muitos anos da minha vida a eles. Mas agora já me acostumei e tenho uma desculpa para viajar sempre. Mês que vem vou visitá-los.”

Com Mariana Lima, Fernando Eiras e Emílio de Mello na peça "Os realistas" e com os filhos, Julia e Hugo - Crédito: Léo Aversa/Divulgação e Arquivo Pessoal

A atriz critica o machismo e o fato de mulheres mais velhas namorando homens mais novos – como foi seu caso com o ator Sérgio Marone  – virarem motivo de questionamento. “Quando eu tinha 18 anos, fiz par romântico com o Carlos Augusto Strazzer, que era da geração do meu pai, e ninguém falou nada. Agora, quando uma mulher mais velha namora um cara mais novo vira uma questão. Por que essa diferença?”

Amor e morte
Atualmente Debora se encontra em turnê pelo Brasil com a peça Os realistas, que estreou no início do ano no Rio. A atriz assistiu em Nova York ao espetáculo com texto do dramaturgo americano Will Eno e comprou os direitos para produzi-lo. “É o retrato de dois casais e como eles lidam com o amor, a doença e a proximidade da morte. Fala sobre os medos e as fragilidades de todo ser humano”, conta a atriz, que contracena com Mariana Lima, Fernando Eiras e Guilherme Weber. É a sétima peça produzida por Debora, que concorre ao Prêmio Shell de melhor atriz. “Produzir é uma forma de ter autoralidade sobre meu trabalho, de escolher o texto que vou dizer, a linguagem que vou utilizar e as pessoas com quem vou trabalhar”, explica.

“Quando uma mulher mais velha namora um cara mais novo vira uma questão”
Debora Bloch

“Debi usa o teatro e a TV para se alimentar. Quando Justiça estreou, liguei para dizer o quanto havia admirado sua atuação. Havia um comedimento e um realismo parecidos com o que ela faz em Os realistas, algo dificílimo de alcançar”, conta a atriz Fernanda Torres, sua comadre desde a época em que as duas acompanhavam os pais (Fernanda Montenegro, Fernando Torres e Jonas Bloch) nos bastidores da peça É..., de Millôr Fernandes, em 1977.

Dias de luta

Feminista, a favor da descriminalização das drogas e do aborto (ela conta ter feito um aos 20 anos), Debora vê com pessimismo o governo de Michel Temer: “Não me parece que essa gestão vá tratar algo de forma progressista. Mas tomara que eu esteja errada”. 

Crédito: Daniel Klajmic

A atriz se diz assustada com o surgimento de um movimento “careta, reacionário e retrógrado” no país, após tantas lutas e conquistas no sentido da liberdade e da aceitação das diferenças. “Como ainda pode existir, nos dias de hoje, alguém com um pensamento fascista como o Jair Bolsonaro?”, questiona a atriz, que apoiou a candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio este ano. Normalmente Debora não costuma declarar seu voto, mas mudou de posição por causa do momento política e historicamente delicado. “Acho importante me colocar como cidadã porque não quero que a gente retroceda, quero que o Brasil avance”, explica.

Com vigor e energia de sobra, a atriz encara de frente o que a vida lhe traz. E conclui: “Enquanto eu estiver com saúde e subindo no palco, fazendo o que eu gosto, tá tudo certo. Assisti a um documentário sobre o José Samarago que mostra que ele só se tornou conhecido como romancista aos 60 anos. E, muitos anos depois, ainda ganhou o Prêmio Nobel. Então acho que ele é um exemplo de como a vida pode ser potente sempre. É isso o que eu busco”.

Créditos

Imagem principal: Daniel Klajmic

Estilo: David Pollak

Arquivado em: Tpm / Comportamento / Corpo / Envelhecimento