Do inferno para o parque

por Tania Menai em

Nada irrita mais um nova-iorquino do que ter que esperar. Mas fascina saber que há quem se plante por mais uma hora para conhecer como vivem os 33 milhões de refugiados de guerra deste mundo. E isso aconteceu neste fim-de-semana no Central Park. Profissionais dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) montaram uma exposição no meio do parque para mostrar como sobrevivem aqueles que não tem para onde ir. Os visitantes eram divididos em grupos e guiados por gente que já trabalhou no inferno. Somália, Etiópia, Eritréia, Sudão, Tchetchênia, Costa do Marfim, Iraque, Jordânia, Colômbia, Indonésia e Marrocos são alguns dos cerca de 40 países que têm gente deslocada por causa de conflitos. Destes, 74% são nações pobres, onde a renda per capita é de dois mil dólares por ano. Ou nem isso. A coisa é feia. Feíssima.

Ali no Central Park, rodeados por árvores, lagos e apartamentos de milhões de dólares, aprendemos como as crianças refugiadas fazem seus próprios brinquedos usando lixo, como o MSF monta os banheiros públicos, como as mulheres carregam galões de 20 litros (repito, vinte litros) de água e andam com eles por quilômetros, além de carregar seus bebês. Cadê a ajuda masculina? Os homens estão nas guerras.

Ainda experimentamos o BP-5, barra de biscoito, algo entre maizena e paçoca, que contém as proteínas, vitaminas e calorias que um adulto precisa por dia. Com nove barras, obtém-se as duas mil calorias mínimas diárias. Bebês recebem uma papinha de amendoim numa embalagem que lembra comida de astronauta.

Aí vem a parte das vacinas, dos traumas e, nossa!, da cólera. Melhor nem contar o que é um hospital com crianças evacuando por todos os lados. Ainda vemos uma pulseira de papel, com cores que vão de verde (bem-nutrida) à vermelha. Ela serve para medir o grau de desnutrição - basta colocar na parte superior do bracinho da criança. Se a circunferência fechar na cor vermelha, a chamada Red Zone, a criança vira prioridade. Por milagre, não chorei. São nove milhões de crianças refugiadas. E este é o nome da campanha feita pela Nike para ajudá-las. Até o nosso Ronaldo está nessa. Quem visitar a Nike Store on-line, vale comprar a camiseta de 20 dólares para ajudar também. Já tenho uma.

A MSF nasceu há 35 anos na França. Atua em 70 países, em conflitos, tsunamis, crises. Incluindo o Brasil. Em 1999, ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Recebe dinheiro de governos, empresas, pessoas físicas - mas se recusa a receber de farmacêuticas, empresas de tabaco e, desde 2004, do governo americano. Também mantinha um programa semanal no canal National Geographic - eu não perdia um e chorava assistindo a todos; incluindo as reprises. Fui a outra exposição, na Union Square, que nos ensinava sobre as doenças negligenciadas por farmacêuticas. E há poucos anos entrevistei aqui em Nova York Morten Rostrup, na época diretor internacional do MSF.

Morten é um médico norueguês que deixou os modernos hospitais de Oslo para salvar vidas em lugares que mal têm estetoscópio. Logo depois da nossa entrevista, ele chegou a ser seqüestrado no Iraque. Foi solto. Esqueça papo-celebridades - são esses os caras que fazem a vida de um jornalista valer a pena.

* A exposição segue para o Prospect Park (Long Meadow at Grand Army), no Brooklyn, entre 20 e 24 de setembro, das 9h30 às 18h30
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