Pole dance aos 50
Mulheres acima dos 50 anos aderem à modalidade e mostram que não há idade ou tabu que as impeça de fazer o que querem
Com origem nos strip clubs ingleses dos anos 80, o pole dance ainda é tabu no Brasil. “Aí você fala pros amigos homens de cinquenta e poucos anos que está fazendo pole dance e já te imaginam no bar com um salto de 20 centímetros e quase nua”, conta Antônia* (51). Enquanto nas ruas a modalidade ainda é frequentemente associada ao strip-tease, à promiscuidade e à prostituição, as federações lutam para que a prática seja reconhecida como um esporte com duas modalidades: uma, sensual, chamada de exotic nas academias, e outra focada no fitness, uma variação esportiva e acrobática.
Assim, devagarinho, o pole dance ganha espaço no Brasil, com aulas especializadas e competições. No sudeste, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, a modalidade já virou moda, e, ao contrário do que muitos pensam, essa tendência não se limita às mulheres jovens. O encantamento pela barra vertical encontra espaço entre mulheres acima dos 50 anos, que buscam muitas vezes na atividade uma maneira de escapar das academias convencionais. O que não ocorre sem enfrentar alguns dois preconceitos diariamente: da geração X, que marginaliza o pole dance; e da geração Y, que tende a condenar o envelhecimento. “O povo acha que aos 50 anos você já está o pó do pó”, desabafa Rosana Machado, 50.
“Minha ideia era praticar um esporte diferente, que ninguém pudesse me limitar pela idade”, conta Edi Reis, dona do estúdio Steel Dance. Para ela, a descoberta veio em 2008, quando a prática mal existia no Brasil. Hoje, aos 52 anos, é tricampeã brasileira de pole sports na categoria 50+ e coleciona medalhas de competições nacionais e internacionais.
Vera Marques, 63, dona do estúdio Dança e Atitude, formou-se em educação física, sofreu com os julgamentos dessa opção: “Estar num caminho diferente sempre fez parte da minha vida. Larguei o curso de psicologia para estudar educação física na época em que a profissão ainda era vista com maus olhos. Mas tive apoio da minha família e amigos”. Chegar em ao pole dance, em 2010, foi consequência dessa personalidade e foi novamente encarado com naturalidade por amigos e família, apenas mais uma de suas escolhas incomuns. A prática a cativou pelo nível de dificuldade. “Me encantei pelas acrobacias do pole dance”, diz.
A mesma sensação de desafio e a mesma paixão arrebatadora também serviram para motivar a carioca Jolie, 63, que pratica a modalidade há oito anos e já contou sobre sua experiência em programas de rádio e televisão. Para ela, o incentivo, das amigas e família, foi crucial. Infelizmente, nem todas têm essa sorte.
Pole dance é coisa de stripper?
“Eu estava em um relacionamento na época que comecei a treinar [aos 42 anos]. Em uma das discussões, ele me perguntou agressivamente: ‘por que você quer fazer pole dance?’. Ficava indignado e inseguro que eu praticasse. Esse não foi o único, mas um dos fatores para nosso término”, conta Edi. Situações como essa faziam Rosana sentir medo de viver uma história parecida. Durante meses mentiu para seu companheiro a respeito as aulas. “Eu falava que ia fazer dança, pelo ciúmes. O pessoal tem uma mente fechada pra isso.” Um dia, os hematomas, comuns pelo atrito da pele com a barra, a entregaram. “Quando ele viu, ficou muito macho: ‘o que é isso?!’ Tive que falar a verdade. Não foi bem aceito, mas não ligo.”
Antônia escolheu outro caminho para desmistificar a prática. Ela mostra fotos e vídeos de seus treinos sempre que os amigos transparecem algum tipo de preconceito e conta que a reação é instantânea: passam a admirar a força e a resistência necessárias para executar aqueles movimentos e também passam ver a beleza onde antes enxergavam apenas vulgaridade.
Essas mulheres perceberam que algo variava entre as gerações. “Ainda é um tabu total. Mesmo as pessoas mais jovens não encaram pole dance como uma coisa legal, mas os mais velhos tem uma visão ainda pior”, afirma Rosana. Ao que Vera completa: “As mulheres aceitam com mais facilidade, acham bacana. Os homens costumam ter uma mentalidade maliciosa. Principalmente os mais velhos, os jovens já têm outra cabeça”.
Os julgamentos, porém, nem sempre estão do lado de fora. “Não foi a parte sensual que me encantou no pole. Hoje, acho lindo, mas existia o preconceito até da minha própria parte”, assume Edi. “Na minha cabeça era putaria, mas você começa a fazer e vê que não é isso”, completa Rosana.
Você não está velha demais pra isso?
No Brasil, as jovens são a maioria esmagadora das praticantes, enquanto no exterior encontramos mulheres de 60 e 70 postando seus vídeos na internet. No Brasil, isso ainda é incomum. “As mulheres se limitam, acham que porque têm 40 anos, não podem mais fazer certas coisas. No mundo não tem algo que você não pode fazer, a não ser que você tenha alguma restrição médica. Caso contrário, vai lá, experimenta e faz”, afirma Edi
No campeonato nacional, a Edi é a única em sua categoria. Apesar de terem mulheres de sua idade com possibilidade para competir, ainda que sejam realmente poucas, elas não costumam participar. Em contraponto, ela não cogita largar os campeonatos: “Quando eu chegar nos 59 não quero parar. Por quê? Alguém me limitou? De novo? Eu não vou permitir, vou ficar brigando. Briguei para existir a categoria 50+ e vou brigar pela 60+, 70+, 80+”.
Para fazer as acrobacias, é necessária aderência do corpo com a barra, por isso, em geral, são utilizadas roupas curtas, deixando mais pele exposta. Para Rosana, esse é um dos fatores que afasta as mulheres mais velhas. Ela acredita que a maioria tem vergonha, por se sentir fora dos padrões estéticos, seja pela idade seja pelo sobrepeso. “Os padrões dizem que temos que ser jovens, mas a verdade é que nosso corpo muda e precisamos saber lidar com essas mudanças. Como é bonito ver que você chega aos 50 e ainda pode fazer muita coisa! O pole dance me proporciona essa sensação”, explica Antônia.
Para ela, a prática é democrática. Nas aulas que frequenta e nos perfis que acompanha na internet, a atleta diz ver pessoas altas, magras, gordas, jovens, atléticas e, inclusive, homens. Para ela, nenhum desses fatores pode ser barreira para impedir alguém de se arriscar pelas acrobacias da barra vertical. “Não temos aquela disputa que existe numa academia. É tão pessoal, entre você e a sua barra, que ninguém se preocupa com o corpo da amiga ao lado”, diz Edi.
Corpo e mente
“Eu tive 3 filhos, a minha barriga não é aquela toda dura, ela esticou. Em algumas posições fica meio enrugadinho, mas não ligo, porque me sinto muito bonita. Mantenho meu peso bem, meus músculos estão alinhados, melhorei pra caramba”, conta Antônia. Adepta da atividade há um ano e meio, ela conta que já cuidava de seu físico, mas a barra vertical ajudou ainda mais, principalmente em sua autoestima.
Edi Reis concorda com essa visão: “O pole dance não é só corpo, é uma mudança de dentro pra fora. Você pensa: ‘Se eu consigo fazer esse movimento, o que é que eu não consigo fazer nesse mundo?’”. “É um trabalho muito bom pra todos os grupos musculares. Você desenvolve força e flexibilidade e também trabalha a autoestima e confiança”, acredita Vera Marques. Para a professora de educação física e ginasta, o pole dance, principalmente como é desenvolvido nos estúdios, pode ser visto como um treinamento, da mesma forma que enxergamos a musculação ou o crossfit.
Seja livre para ser sensual
A modalidade fitness não é a única que traz benefícios. “Eu me descobri no sensual, me descobri mais bonita, mais feminina. Descobri um lado meu que no meu acrobático eu não tinha visto”, conta Edi Reis. Para grande parte das praticantes, o exotic não tem como foco a conquista. “É sensual pra si, é se descobrir”, completa a tricampeã.
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A sensualidade segue como uma das vertentes da prática e também funciona como atrativo para muitas mulheres. Rosana conta que isso sempre foi o que mais chamou sua atenção, apesar de não esperarem tal atitude de uma senhora. “Antes, eu fazia dança do ventre, que também envolve sensualidade. Tudo que é voltado pro sensual me atrai. Sempre fui assim.”
Para essas mulheres, o pole dance é mais do que uma atividade física. Os treinos tornaram-se momentos de descoberta de si e as barras simbolizam um novo estilo de vida. Edi conclui, num sentimento que parece ser unânime: “É minha paixão, pode ter certeza.”
*Nome fictício: a entrevistada preferiu manter anonimato
**Agradecimentos ao Studio Metrópole, que disponibilizou o espaço para as fotos que compõe o ensaio de Autumn Sonnichsen
Créditos
Imagem principal: Autumn Sonnichsen