Arrumo a casa como quem arruma o coração
Organizar armários e fotos; fazer exercício e ler dois livros por mês; abandonar o Instagram e decorar cinco telefones fixos; andar de bicicleta; deixar de comer carne e voltar a pescar
Janeiro de 2016, São Paulo: 39 graus com sensação térmica de 50. Quarenta anos com sensação térmica de 62. E 0,75 de vista cansada com metas infantis que só. Pego o marca-texto azul porque o amarelo é muito batido e escrevo assim na minha agenda física que logo será esquecida: arrumar armários, estantes e fotos; fazer exercício e ler dois livros por mês; abandonar o Instagram e decorar cinco telefones fixos; andar de bicicleta e deixar de comer carne; voltar a pescar.
Alguém já disse que um ano novo é outra chance de fazer tudo igual. Mas, agora, começo do segundo tempo e colágeno em declínio, tô querendo mais rap que bossa nova, mais coragem que raciocínio, mais agora que depois. Vou tomar café, ler o Antonio Prata e doar metade das minhas camisas. Em seguida me dedico às jaquetas e só então aos vestidos. Acho que vou abandonar a organização por cor. Por causa da minha mãe. “Ton sur ton”, ela dizia, mantendo o acento francês. Até devia ser chique, mas eu não podia concordar com ela porque ela era minha mãe. Ainda é, na verdade. Só que agora eu também sou um pouco mãe dela. Até dei um casal de gatos pra ela cuidar. Ela disse que não ia gostar, mas agora tá apaixonada. Blazers.
Também posso organizar por marcas. Zara, Topshop, Cris Barros. Se bem que não, parece subserviência. Subserviência e cafonice. Logo eu, que compro tanto em brechó. Todo mundo devia frequentar brechós. É mais barato, ninguém tem igual e dá pra ficar imaginando de quem era aquela camiseta anos 80 estilo “sou surfista da Califórnia e não faço força pra ser cool, embora adore um look porteiro”. Comprar só em brechós. Não ostentar simplicidade. Ser simples.
Na verdade, eu compro em todos os lugares. Gosto de roupa velha e de roupa nova, roupa barata e roupa cara, bazar e lançamento e – tragédia das tragédias – faço parte do triste circuito Instagram-WhatsApp. Funciona assim: você vê no Insta uma modelo alta e magra com uma camisa azul-piscina de mangas bufantes. Você tá um pouco triste porque a vida às vezes é triste, mas aquele tom de azul te dá uma esperança. Aí você descobre o telefone da loja, e começa a se relacionar com a vendedora. Ela é legal (óbvio, é o trabalho dela, mas na hora você não pensa nisso) e claro que ela te manda “a peça” em casa e – olha como a vida é boa! – em cinco vezes sem juros. Só que a manga bufante não fica igual se você tá com 4 quilos a mais, tem 40 e não 20 anos e nasceu com 20 centímetros a menos que a tal modelo. Vou dar pra minha sobrinha todas as blusas com mangas bufantes.
Outro dia eu li que o consumo é falta de autoestima. Um tapa-buraco, uma cilada pra mulheres com vazio no peito. Vazio no peito. Aperto no peito. Mamografia. Vou fazer um checkup. Essa semana o armário e, na outra, exames e médicos. Vou correr naquela esteira do laboratório com aqueles fios no peito pra saber que eu preciso fazer alguma atividade física, no mínimo um pilates. Vou sentar suada e esperar os exames comendo biscoito Maria e lendo uma Caras de três meses atrás e decidir fazer exercício pra sempre. Mas o pilates não vai resolver o vazio. Nada vai resolver o vazio. Só o amor. Eu arrumo minha casa como quem arruma o coração.
Voltar a pescar.
Créditos
Ilustração: Juliana Russo