Aceita amendoim, barra de cereal ou descaso?
Acostumar com as vozes esganiçadas nos alto-falantes dos aeroportos não foi nada...
Já faz cinco meses que eu resolvi expandir um pouco o leque das minhas atividades médicas e começar a trabalhar não só em hospital, mas também com algo em que eu já tinha interesse há algum tempo: pesquisa de novos medicamentos para doenças que ainda não têm um tratamento tão 100% assim. Como acabo precisando frequentemente visitar centros de pesquisa e médicos envolvidos em estudos ao redor do Brasil, acabei me tornando uma habitué dos aeroportos e salas de embarque.
Acostumar-me com as frequentes mudanças de portão de embarque anunciadas por vozes esganiçadas nos alto-falantes, com as filas de gente em pé que se formam, inexplicavelmente, meia hora antes do embarque no portão (atrapalhando a passagem de todo mundo) e com o pacote de amendoim oferecido como se fosse a maior iguaria da Terra nao foi fácil. Mas confesso que isso nao foi nada em comparação ao desconforto de ter que presenciar o total descaso com os portadores de necessidades especiais que tentam voar aqui no Brasil.
Em poucos meses nessa rotina, já tenho uma coleção de tristes exemplos. Os dois últimos foram uma comissária pedindo para que uma mãe fizesse a criança portadora de atraso do desenvolvimento cognitivo parar de falar alto e o outro foi um cadeirante obeso, paraplégico, sendo colocado de volta em sua cadeira de rodas, sem cuidado e delicadeza alguma com suas já hipotróficas pernas, numa manobra típica de peões empilhando sacos de concreto na porta de uma construção.
Entendo que o termo portador de necessidade especial não é dos mais fáceis e simples de se entender. E que muita gente desconheça seu real significado. A maioria das pessoas, inclusive, nem sabe definir o significado de necessidades especiais. Todo mundo pensa apenas em cadeirantes, em indivíduos que são incapazes de fazer algo "normal" (comum), como andar, por exemplo. Desconhecem que o termo não engloba apenas condições físicas e visíveis. Pode ser físico, mental ou psicológico. E vai desde alergia a alimentos (como o glúten, por exemplo, que requer dieta especial) até a cegueira. De autismo a dislexia.
Dessa forma, preciso dizer que não fiquei surpresa ao saber que tinham esquecido o Marcelo Rubens Paiva no avião. Mas fiquei com vergonha, porque episódios como esse ficarão cada vez mais comuns com todo o aumento de circulação de passageiros previsto com os mega-eventos esportivos que ocorrerão nos próximos anos. Enquanto o tema não for divulgado nem receber a abordagem devida nos meios de comunicação e por parte do governo, as companhias aéreas nacionais infelizmente continuarão a associar "necessidade especial" com brie com damasco na classe executiva ao invés de respeito e tratamento digno a um passageiro. Cadeirante ou não.
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