Help!
Tradicional reduto da prostituição carioca, a pista quente da Help fecha as portas em breve
Há 25 anos o letreiro da Help ilumina a praia de Copacabana. Na pista da boate, já suou gente como o Prince, o Gianecchini e a Nilzete, uma das garotas de programa que batem ponto por lá. Com seu charme retrô, a polêmica discoteca pode ser demolida a qualquer momento para dar lugar ao Museu da Imagem e do Som
Algumas letras já não acendem no famoso letreiro luminoso original, do início da década de 80, em que pares de pernas arqueadas simulam uma dança. É um sinal de que a casa no meio da avenida Atlântica teve dias melhores. Indiferente a isso, Manuel, o porteiro da Help, toca o sino da entrada da discoteca à meia-noite. O ritual se repete religiosamente todas as noites há 25 anos. Homens e mulheres sentados no bar ao lado, ou que fazem hora na frente da discoteca, se apressam para aproveitar o desconto de R$ 10. Após as badaladas, o preço para ingressar naquele que é considerado por muitos o “templo da prostituição carioca” sobe para R$ 40.
“The best pussies in the world”, explica Eric Jackson, gritando no meu ouvido, a razão de estar lá. O som – que vai de funk carioca e remix de música indiana a Black Eyed Peas – é sempre alto e dificulta a conversa com o norte-americano de 38 anos que faria Mike Tyson parecer mirrado. Ele já arranjou uma companhia na cidade, Yasmim, uma morena mignon de 24 anos que conheceu em uma terma. “Eu amo ela! É minha namorada”, diz no português que se esforça para falar durante a entrevista. “Estou triste que a Help vai fechar.”
Há quem ainda duvide que um dos símbolos do Rio vai mesmo desaparecer para dar lugar à nova sede do Museu da Imagem e do Som, hoje na Lapa. Mas um dos dez donos, o espanhol Avelino Parente, 69 anos, já jogou a toalha. Não pretende levar a casa para outro ponto. Os 150 funcionários devem perder o emprego.
Em janeiro do ano passado, o governo estadual publicou um decreto de desapropriação, mas questões legais atrasaram o fim da discoteca. O Estado depositou em juízo R$ 13 milhões pelo terreno. A Justiça mandou refazer o cálculo e o preço subiu para R$ 18,8 milhões. O novo depósito foi feito em 29 de setembro e foi dado um prazo de 30 dias para a desocupação. Mas, 15 dias após, graças à morosidade da Justiça, os inquilinos não haviam sido notificados. A Procuradoria do Estado espera que o prédio seja demolido ainda este ano para erguer o novo MIS. O projeto modernoso, assinado pela dupla Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio, é do escritório de arquitetura norte-americano Diller Scofidio + Renfro. Deve ser concluído em dois anos e meio a um custo de R$ 65 milhões.
“Vai ser a transformação de um prostíbulo num templo da cultura carioca”, afirmou o governador do Rio, Sérgio Cabral. Avelino reconhece que a casa é frequentada por garotas de programa, mas rebate a acusação. “Elas são gente como nós. E tem muita gente que vem aqui para dançar, escutar música, tomar um drink, se divertir. Aqui não é um prostíbulo”, diz ele, informando que o filho de Cabral já foi a festas no lugar.
"A Help foi a primeira mega discoteca do país. No início foi muito badalada. Mas ainda é um ponto de referência no Brasil"
[Avelino Parente, um dos donos da boate]
Das matinês às madrugadas
Batizada com o nome da canção dos Beatles, a Help abriu suas portas em 1984 onde antes havia um casarão invadido por mendigos. O terreno era fruto do espólio de um conde italiano e de uma bailarina polonesa que não deixaram herdeiros e cujo processo sucessório não é dos mais claros. Avelino sonhava em fazer um “café cantante”, com orquestra e tudo. Acabou virando um complexo de bar, restaurante e discoteca em dois pavimentos que abriga 2.500 pessoas. “Foi a primeira megadiscoteca do país. No início foi muito badalada. Mas ainda é um ponto de referência para o Brasil, conhecida no mundo inteiro”, diz Avelino com orgulho. São 3.070 metros quadrados em frente à praia de Copacabana, bairro que concentra a maioria dos hotéis da cidade e metade dos crimes contra os turistas em todo o Estado. O aluguel custa R$ 75 mil mensais.
Nos primórdios, as matinês nos fins de semana ficaram famosas. Naquela época pré-MTV, era onde a garotada como Victor Souza, hoje com 39, ia para ver os vídeos estrangeiros no enorme telão no fundo da boate: Madonna, Michael Jackson, George Michael, o clipe de “We Are The World”. Seus primeiros beijos e amassos foram lá. Foi numa dessas matinês que ele conheceu a mulher, Roberta. “Era um programa família. Não vendiam bebida alcoólica, não tinha confusão.” As matinês acabaram na década de 90, quando os jovens começaram a combinar briga na saída.
A boate também abrigou as filmagens do Cassino do Chacrinha, da Globo, e serviu de locação para outros programas da emissora. E foi uma das responsáveis por incrementar o hoje famoso réveillon do bairro. Celebridades como o ex-jogador Maradona e o músico Prince já passaram por ali. Parte da juventude rica da cidade e famosos como Priscila Fantin, Bruno Gagliasso e Reynaldo Gianecchini voltaram a frequentar a casa nos últimos dois anos, em festas fechadas. Um dos organizadores, Michel Diamant, reclama do fechamento. “Existem várias casas de prostituição na cidade e ninguém faz nada. Na Help não tem nada disso. Não existe nenhum quarto lá dentro”, atesta.
A boate não faz jus à boa parte de sua má fama. Não frequenta as páginas policiais dos jornais com confusões, como ocorre com as casas mais badaladas da zona sul carioca. Não é um antro de prostituição como pregam alguns. Não há sexo, nudez ou show erótico. Se um casal fica mais animado, um dos seguranças educadamente pede compostura. É verdade que o dress code é peculiar. Esqueça o cartaz na entrada que proíbe o ingresso de pessoas trajando shorts, tops, saias e vestidos muito curtos.
E nem todas as gatas são pardas na noite da Help. Dançando com um grupo de 16 turistas, incluindo uma família de pais de meia-idade e filhos adolescentes, a israelense Alex, 26 anos, tomou um susto ao saber que a Help era famosa por ser frequentada por garotas de programa. “A boate é incrível. Não desconfiei que as meninas eram prostitutas, elas não se jogam em cima dos caras.”
Nilzete, 25 anos, é uma das moças que batem ponto na discoteca nos fins de semana, quando deixa o filho de 6 anos com o ex-marido. É uma opção pela segurança. “Deus me livre ir pra rua. Você fica exposta. Se alguma coisa acontecer aqui dentro eu falo com os seguranças.” Ela não põe fé no fechamento. “Só acredito vendo. Disseram tantas vezes que ia fechar...”
Talvez a Help não chegue ao próximo verão. “Muita gente acha que já fechou”, lamenta Avelino. Em uma segunda-feira de tempo feio e pouco movimento, Camila, uma loira de 26 anos, preferiu não entrar. Ficou no bar do lado de fora. “Ninguém está aqui porque quer. A necessidade obriga”, explica ela, que cria três filhos e cobra cerca de R$ 300 o programa. Com o fechamento da Help, seu destino será fazer ponto na rua, em frente a outros bares da orla de Copacabana.