É preciso peito ou seio pra ser mulher hoje em dia?

E Lulu vendeu seu carro novinho para pagar suas sonhadas próteses de silicone...

por Mariana Perroni em

 

Era uma vez uma mocinha americana de 17 anos chamada Lulu Diaz. Em sua formatura do colegial (quer dizer, do Ensino Médio), seus pais resolveram presenteá-la com um carro. Um brilhante e novinho Jaguar. Curiosamente, ela não ficou muito entusiasmada com a surpresa. Lulu tinha mamas pequenas e o que ela realmente queria era abandonar os sutiãs com enchimento. Surpresos, os pais sugeriram que ela vendesse o carro e usasse o dinheiro para pagar sua sonhada mamoplastia com implantes de silicone. E foi o que ela fez. Desde então, vive sorridente ostentando seu sutiã 44 e já influenciou duas amigas a fazerem o mesmo.

Confesso que fiquei consternada quando li esse relato num portal feminino americano. Eu sou de um tempo em que ninguém ganhava nada por terminar o colegial. No máximo, um vestido pra usar na formatura. Afinal, terminar o ensino médio não era nada além de obrigação e respeito aos pais. Quando se terminava a faculdade, daí sim, as coisas mudavam um pouquinho: de acordo com as possibilidades financeiras da família, ganhava-se desde um abraço apertado e lágrimas de satisfação dos pais, algum anel brega com pedra de cor que sinalizasse seu curso ou, para os mais abastados, até um carro.

Os tempos mudaram e começo a realmente constatar que estou ficando velha. E não é só porque ainda chamo o Ensino Médio de colegial. Mas sim porque histórias como as de Lulu são cada vez mais comuns. Lipoaspirações, implantes nas mamas, narizes novos e próteses de queixo têm se tornado comuns como presentes de formatura de colegial ou faculdade. Já que a fase é de transição e novidades, por que não estender isso ao próprio corpo?

Ao ler uma reportagem da ABC News, descobri que foram realizadas  60.000 cirurgias plásticas em jovens com menos de 25 anos em 1997 nos EUA. Em 2003, foram 225000. E, de 2005 para 2006, esse número já subiu 12%.Mesmo não tendo dados deste ano, o número já é absolutamente preocupante. No Brasil (a capital mundial da cirurgia plástica) isso não deve ser muito diferente. Tome-se como exemplo Juliana Borges, uma concorrente do Miss Brasil. A moça já teve, com vinte-e-dois-anos, quatro cirurgias plásticas (lipoaspiração, prótese de queixo, rinoplastia e correção de orelhas) e dezenove procedimentos cosméticos. Se ela tivesse ganho o concurso, quem iria ficar com a faixa brega? Ela ou o cirurgião plástico?

Mesmo quando feita em indivíduos hígidos, uma cirurgia nunca é um procedimento inócuo e isento de riscos. O FDA mesmo afirma que 40% das mulheres que colocaram implantes nos seios terão alguma complicação em três anos. E raramente se comenta dos casos que vão mal. Mas, ao longo de apenas cinco anos trabalhando em UTIs, já tive que cuidar de moças mais jovens que eu que desenvolveram  necroses de mamilo com secreções malcheirosas após proteses de mama, infecções secundárias a lipo que geravam deformações (e muito pus) e até embolia gordurosa e parada cardiorrespiratória na mesa de cirurgia. Se elas realmente precisavam das cirurgias que geraram essas catástrofes? Certamente não.

Com exceção daquelas adolescentes com mamas volumosas a ponto de causar alterações na coluna e dores importantes ou daquelas mocinhas que se constrangem em vestiários de clube por não preencherem em nada seus sutiãs, duvido que uma jovem tenha maturidade para ponderar os riscos e benefícios de um procedimento tão invasivo e meramente estético. Por mais que tentem persuadir os pais com argumentos a respeito de melhora da auto-estima, sugiro um pouco de calma e reflexão. É fato que ser mulher nos dias de hoje, em que nosso papel na sociedade é redefinido diariamente, requer muito peito. Mas ainda acredito que nenhum problema na vida de uma adolescente, jovem adulta ou mulher é tão difícil a ponto de só poder ser resolvido com um par de seios novos.

(eu no twitter: @mperroni)

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