Neurose é alimento do autoritarismo

por Ronaldo Lemos
Trip #266

Pessoas estressadas são um prato cheio para virarem massa de manobra política

Tem muitos médicos que gostam de dizer que “os hormônios determinam a sua realidade”. Faz sentido. Muito do nosso bem-estar depende da saúde hormonal. No entanto, um aspecto pouco discutido sobre isso é que a questão hormonal não é um problema pessoal apenas, que fica na esfera do indivíduo. É um problema social. Ouso até a dizer que a saúde hormonal pode influenciar condições políticas e sociais de grande escala.

Um belo exemplo disso é o impacto das mídias sociais como moduladoras emocionais ao longo do dia. Há várias pesquisas científicas mostrando hoje uma correlação entre o uso recorrente de redes sociais e a busca por descargas de dopamina. A dopamina não é um hormônio, mas sim um neurotransmissor responsável por recompensar esforços motivados. Em outras palavras, é responsável pelo bem-estar que sentimos com relação a determinadas tarefas. A dopamina é liberada, por exemplo, quando recebemos elogios ou temos a sensação de que alguém nos observa com admiração.

Ora, as redes sociais são uma máquina de levar a esse tipo de sensação. O vício de tirar o celular do bolso inúmeras vezes ao longo do dia, para verificar se alguém deu “like” em algo que postamos, está intimamente ligado com a busca por dopamina. Quanto mais uma rede social consegue provocar essa sensação, mais “viciante” ela se torna.

LEIA TAMBÉM: Todas as colunas de Ronaldo Lemos na Trip

Para além da dopamina, vale falar também no cortisol, conhecido como o hormônio do estresse. Ele é fundamental para diversas funções corporais. É também o hormônio que ativa a resposta do corpo perante situações de emergência. No entanto, como vivemos em um momento de múltiplas “emergências” o tempo todo, os níveis de cortisol para muita gente estão para lá de elevados. 

Eleitor nervoso

Isso leva à clássica situação da pessoa “estressada”. Irritabilidade, transtornos de sono, dificuldade de relaxar e de pensar com calma e profundidade. Em outras palavras, a pessoa passa a viver uma vida de “visão em túnel” enxergando apenas o que tem na sua frente, perdendo a “visão periférica” que permite estar ciente do ambiente onde vive e dos aspectos mais amplos da sua vida. Em síntese, perde a capacidade de “self-awareness”.

E é exatamente esse tipo de situação que vem sendo explorada politicamente. Tem muitos grupos políticos que hoje medem o comportamento das pessoas na internet para determinar se a pessoa está estressada ou até mesmo neurótica. As pessoas estressadas e neuróticas são facilmente manipuláveis e são um prato cheio para virarem massa de manobra política. Pessoas nessas condições ficam especialmente propensas a aceitarem mensagens que estejam carregadas de sentimentos como medo, insegurança, raiva,
autoridade e até mesmo violência.

Ouso dizer que há uma correlação entre os níveis de neurose em uma determinada sociedade com o avanço de correntes política extremistas, autoritárias e militaristas. Nesse sentido, além de todos os problemas que o estresse e a neurose podem trazer para o indivíduo, um dos fatores mais perversos está nessa perda parcial do livre-arbítrio.

Com isso, a questão hormonal (e do bem‑estar de modo geral) precisa começar a ser pensada do ponto de vista social, e não apenas individual. Pessoas sem estresse ou neuroses são mais inteligentes, empáticas,
tomam melhores decisões e aprendem mais. São também mais caridosas e criativas.
Essas características irradiam-se positivamente pela sociedade (e pelas redes sociais). Em suma, um dos desafios para tirar o Brasil do buraco é reduzir a quantidade de neurose que circula entre nós.

Créditos

Imagem principal: Creative Commons

fechar