Como conheci Kurt Cobain

por João Gordo

Leia trecho da biografia ”João Gordo – Viva la vida Tosca!” sobre a passagem do Nirvana pelo Brasil nos 1990

"O show do Nirvana no Morumbi foi uma bosta. Muita gente, inclusive a banda, achou que aquela foi uma das piores apresentações da carreira do Nirvana. E acho que boa parte disso é culpa minha. Falei tão mal do festival que os caras entraram pra zoar tudo. Antes de eles subirem no palco, o Krist Novoselic me deu um papel com um manifesto e pediu pra eu ler no microfone. Eu tinha bebido tanto e fumado tanta maconha que tava com a boca na nuca, não conseguia nem falar. Eu olhava pro papel e só via um borrão. Mesmo assim falei umas groselhas lá e anunciei a banda. Mas o show foi horrível, cem mil pessoas em silêncio. Parecia um ensaio ruim.

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Quando o show terminou, o Kurt perguntou pra onde a gente ia. O Giggio, dono de um bar de rock chamado Der Tempel, na Augusta, tinha me dito que podia levar os caras pra lá que ele liberava a bebida. Foi todo mundo. Meu amigo Renato Gordinho, veterano da cena punk em São Paulo, tinha um Corcel 2 azul-claro, todo batido, e no carro fomos eu e o Renato na frente, mais o Kurt, a Courtney, o Flea, do Chili Peppers, e a baterista do Hole espremidos atrás. No carro da Alê, um Golzinho, ela levou metade do L7 e uma pá de roadies.

Chegamos na Augusta, que naquela época só tinha puteiro, e o Giggio fechou a Der Tempel: 'Quem tá fora não entra, quem tá dentro não sai!'. Deu dois minutos, alguém apareceu com um saco de teco. Tinha no mínimo uns trinta gramas de cocaína.

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A noite foi open bar e open teco. A maioria do pessoal das bandas foi embora logo, mas o Kurt e a Courtney ficaram comigo e com a Alê. Nós ficamos no maior ratatá monstro, só na farinha, e o DJ da casa, o Aldo, começou a tocar anos 1960. Eles adoraram. Lembro como se fosse hoje: eu e a Courtney dançando o passo do submarino, aquele do B-52s em que as meninas tampavam o nariz com uma mão e desciam até o chão, ouvindo Taxman, dos Beatles. Uma hora, eu tava dançando com ela, de olhos fechados, e um filho da puta pulou nas minhas costas e ficou pendurado no meu pescoço. Comecei a girar feito um carrossel, até que percebi que era o Kurt! Ele tava feliz da vida, rindo que nem criança. Já a Courtney tava com ciúmes da Alê, porque ela ficou a noite toda batendo papo com o Kurt. Mas eu, no meu inglês ridículo, tentei explicar que não tinha nada a ver. Eu não falava inglês direito, mas com tanta farinha na cabeça a gente fala até russo, né? [...] Eu cheguei na estação de metrô com o olho em espiral, nem sei como cheguei em casa."

*Trecho de João Gordo: viva lá vida tosca (Ed. Darkside Books), biografia do vocalista da banda Ratos de Porão e apresentador João Gordo lançada em novembro. Depoimento dado ao jornalista André Barcinski

Créditos

Imagem principal: Capa de "João Gordo: viva lá vida tosca"/Divulgação

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