Este é o Michel, meu irmão

por Autumn Sonnichsen
Tpm #144

A fotógrafa Autumn Sonnichsen passou o dia 17 de junho clicando seu irmão

A fotógrafa Autumn passou o dia 17 de junho clicando seu irmão, Michel, em Cannes. Além das tatuagens do rapaz, ela revela aqui alguns segredinhos de família

Mesmo ele tendo 27 anos, três a menos que eu, ainda o chamo de meu irmãozinho. Crescemos juntos em Los Angeles, em uma casa bonita de estilo espanhol, paredes brancas e teto terracota, igual a várias do bairro. Mas saí de casa cedo e nós viramos adultos longe um do outro. Faz uma década que os encontros acontecem apenas uma ou duas vezes por ano, na ceia de ação de graças e nas férias. E agora, de repente, ele está aqui, com um corpo de homem, do meu lado e já faz um mês. Ele dorme no sofá, carrega a mala com minhas câmeras (cavalheiro!), assiste à Copa com meus amigos, lê no trem, xaveca algumas amigas e, claro, faz sucesso. Às vezes, quase não acredito que o menino que passava horas com os bonecos de Tartaruga Ninja virou um homem cabeludo que nada e corre mais rápido que eu.

É um homem que, talvez, se explique melhor através de suas tatuagens malfeitas. Quando Michel tinha 18 anos o levei para fazer a primeira tatuagem. Entre meus irmãos, quando cada um fazia 18 anos, tínhamos a tradição de tatuar o apelido de criança na pele. Nós todos temos nomes extravagantes (para dar uma ideia, meu nome completo é Autumn Querida, juro) e minha mãe achou elegante pôr nomes franceses nos meninos. Mas ela não cogitou o fato de o nome Michel soar incrivelmente feminino em inglês, e logo cedo ele insistiu em ser chamado de Meesh. Daí, no dia de seu décimo oitavo aniversário, fomos a um estúdio de tatuagem qualquer na costa Oeste da Flórida para que o apelido de infância fosse devidamente tatuado acima do bumbum. E, assim que terminou (veja bem, não estamos falando de uma tatuagem pequena), ele já disse: quero mais uma. E fez um tigre do tamanho do meu antebraço na perna. Ficamos umas 6 horas no estúdio. Michel sempre foi assim, afeito ao “quero mais”, não importa se é cerveja belga, uma moça bonita ou uma música boa. Se ele gosta, quer mais e ponto.

Ele tem outras tatuagens: a do James Bond no tríceps – a gente já viu todos esses filmes no mínimo uma dúzia de vezes nos últimos tempos. Talvez seja por isso que nos sentimos tão bem na Riviera Francesa, aqui tudo parece cena de filme do 007. Ele ainda tem “Pura Vida” escrito nos punhos, em homenagem ao sangue da Costa Rica que corre em suas veias pelo lado do pai. Tem uma serpente e a palavra “brother”, feita para nosso irmão que faleceu. Tem uma enfermeira zumbi feita para a ex e mais uns outros desenhos cafonas espalhados pelo corpo. Quase todos feitos para alguém ou para algum momento específico. Porque, como disse, quando Michel quer mais, ele tem mais. Nada está ali 
porque é bonito, e isso tem sua beleza.

Estas fotos são um registro de um daqueles dias bonitos e sem fim. Uma terça-feira ensolarada na casa de amigos em Cannes. Ele acordou no futon com a mesma cara de sono de sempre. Aluguei uma moto pequena (gente, que liberdade é ter uma moto na Costa Azul!) e insisti para que ele mergulhasse mil vezes na água transparente. Fomos até Ventimiglia, na fronteira Italiana, o fiz sofrer na ducha gelada e fomos comer massa e sorbet de limão com vodca antes de pegar a estrada de volta para a França.

 

“É gostoso ver Michel no mar, ali ele vira bicho. Só quer saber da água, da areia, do frisbee e do sol”

 

Michel sempre foi um menino do mar. Pega onda, foi salva-vidas e professor de natação durante a faculdade em San Diego e ainda joga polo aquático. Tem uma braçada bonita. É gostoso ver Michel no mar, ali ele vira bicho, não quer saber de canga, de protetor, de piquenique. Só quer saber da água, da areia, do frisbee e do sol. Em breve vai começar a trabalhar em um veleiro brasileiro, vai aprender sobre vento, vela e mar aberto.

É engraçado ter uma desculpa para ficar olhando para o corpo do próprio irmão por tanto tempo. Nossa família não é muito tradicional, mas tampouco somos da turma liberal hippie, ou seja, nada de andar pelado de um lado para o outro em casa. Os americanos são meio puritanos, a gente se cobre. Mas daí, um dia, liga uma revista do Brasil e pede pra você tirar a roupa do próprio irmão. Primeira coisa que me veio em mente: como vou contar isso para a minha mãe? De repente, entendi toda a conversa com as moças que já posaram para mim sobre “o que a família delas vai pensar”. Epifania total. Fora isso, é uma forma de olhar no espelho. Penso: “Nossa, se eu fosse um homem peludo assim a gente ia ser igual!”. Temos o mesmo cabelo, os mesmos olhos, o mesmo jeito de ficar parado com a barriga pra frente, a mesma queda por tatuagens toscas. Nunca tinha me dado conta disso.

Michel nunca foi de muitas viagens, sempre ficou mais pelos Estados Unidos, mas agora anda com caderninho e caneta anotando conjugações de verbos em português. Essa é outra coisa que temos em comum: o sonho das mulheres na natureza, o sonho do Brasil. Em breve ele desembarca por aí, meninas, preparem-se!

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