por Diogo Rodriguez

Documentário quer mostrar porque o cantor Gerson King Combo é o ”James Brown brasileiro”

Dançar, como dança um black
Amar, como ama um black
Andar, como anda um black
Usar, sempre o cumprimento black
Falar, como fala um black

("Mandamentos Black", Gerson King Combo)

Alcione o chamou de "James Brown brasileiro". Só isso já deveria bastar de credencial para que o cantor de soul e funk Gerson King Combo fosse mais conhecido pelo grande público da música brasileira. Mas não foi bem assim que aconteceu. Vestido como um "se veste um black", com roupas exuberantes, coloridas e elegantes, vozeirão e suingue comparável ao dos melhores dançarinos, Gerson virou cult apesar de um certo sucesso que conseguiu nos anos 70. Depois disso, quando se pensa em black music por aqui, tudo o que sai das caixas de som é Tim Maia.

Um documentário pretende reparar essa falta de informação e apresentar Gerson King Combo a uma nova geração de ouvintes dançarinos. Viva Black Music está em fase de produção e tem estreia prevista para o ano que vem. Mais do que contar a história de Combo, o diretor David Obadia diz que vai falar sobre toda a cultura black brasileira, com seus bailes, roupas e passos na pista de dança. A lista de entrevistados é extensa. Vai da já citada Alcione a Da Gama, ex-baxista da banda Cidade Negra. Marcelo D2, Simoninha, Jair de Oliveira e Fernanda Abreu são outros que falam do legado deixado por Gerson King Combo. Legado que ainda está vivo, assim como o próprio, que faz shows com sua banda Supergroove e está com a agenda cheia até novembro deste ano.

Por telefone, David Obadia conversou com a Trip sobre o surgimento do filme, as dificuldades causadas pela falta de patrocínio e contou como conheceu Gerson King Combo.

O documentário tem data de lançamento?
Por enquanto não. É fato que ele sai no ano que vem. Ele está 99% filmado, algumas coisas já estão editadas. Ainda estou tentando captar patrocínio. É um projeto todo bancado do bolso, nasceu sem dinheiro. Eu não queria fazer uma homenagem póstuma ao Gerson. Não podia perder tempo fazendo projeto, esperar ser aprovado, captar, isso às vezes demora três, quatro anos. Foi a ação em primeiro plano. O carisma dele com os entrevistados ajudou muito. Na fase de pré-produção, as pessoas abriam as portas com facilidade quando falávamos que era um filme sobre a vida do Gerson. Agora já são três anos de filmagem. Ano que vem, saindo ou não um capital, vou finalizar, porque não comecei pelo dinheiro, não é por ele que vou terminar. Obviamente, ajuda um capital que ajude a fazer um lançamento, um evento. Partiu também dos próprios músicos: "Poxa, a gente podia fazer um show de lançamento".

De onde veio a ideia de fazer o documentário?
Aqui na Digi2 [produtora do filme], fazemos fotografia e filmamos os shows do Serjão Lorosa [ator e cantor]. Ele é lá de Madureira. Um dia, num churrasco, eu vi aquela figuraça chegando, fala alto, ri alto, ele chama atenção. Na época eu, falei: "Quem é aquele figura?". Isso tem uns seis anos. "o Gerson King Combo". Dei aquela risada amarela, [pensei] "esse nome não me é estranho". Cheguei em casa, fui pesquisar e achei muita coisa. Vi que ele era referência para grandes nomes contemporâneos, de artistas pop, Fernanda Abreu, Sandra de Sá, o Gama do Cidade Negra. Como é que pode esse cara não estar na mídia? Numa faixa etária dos 30, ninguém sabe quem é o Gerson. Mais novo, então, ninguém sabe.

Como os músicos reagiam quando vocês iam marcar entrevistas?
A Alcione, por exemplo: é difícil conseguir uma entrevista com ela. Foi muito simpática. No dia que fomos entrevistá-la, estava a Rede Globo também. Chegamos mais cedo e a equipe da Globo disse que estava com pressa. A Alcione chegou e disse: "Cadê os meninos do Gerson? Vocês primeiro". Não tive dificuldade com ninguém. Em outros projetos que eu já fiz, essa fase de pré-produção foi uma coisa muito difícil; nesse trabalho as portas foram abertas com muita facilidade. Graças a e ele ser quem ele é, facilitou a produção.

Ele está acompanhando a produção?
Não. A ideia inicial era dar um presente para ele. Achei que ele merecia o reconhecimento e visse isso vivo. Não quero falar mal de outros trabalhos, mas é fácil falar de uma pessoa que não está aqui mais. Ele sabe que não deixo ele vir porque é uma surpresa que eu quero dar.

Você tem acompanhado essa onda de novos documentários sobre música?
Tenho. Acho muito normal. A música sempre acompanhou a política, todos os movimentos culturais no Brasil, desde a época da ditadura. É impossível fazer um documentário sobre qualquer pessoa que seja sem que a música não esteja presente. Quando você vai contar a história de grandes personagens, a chance de ser um músico é muito grande. No caso do próprio Gerson, além de ele ser dançarino e ter músicas sensacionais, ele foi um artista da época da ditadura, da repressão, sofreu, foi levado para a delegacia. As pessoas dessa época vão sempre ter uma ligação com a música de alguma maneira. Sobram muitos personagens maravilhosos no Brasil, por isso não vejo como modismo ou tendência momentânea.

Quais outros personagens obscuros da música valeriam um documentário, na sua opinião?
O Dominguinhos. Muitas pessoas das gerações mais novas não sabem quem ele é. É sensacional a história de vida dele. Artistas do nordeste. Os artistas pop sempre tem, mas tem muitos nomes inclusive dessa época [da ditadura] quando existia um controle maior sobre a mídia que são esquecidos. O grande barato do documentário é trazer uma história desconhecida para as pessoas. A minha ideia é trazer à tona uma coisa que não era discutida antes. Se não houver uma ação, ele vai morrer e vão ficar sem saber o que ele fez. Tem muita gente que é respeitada lá fora e aqui não. Tem LP do Gerson que é vendido em sebo em Londres e custa 250 euros. Aqui as pessoas não sabem que é ele. Ele fica puto da vida e diz: "Eu não vejo um centavo desse dinheiro" [risos].

Vai lá:
www.gersonkingcombo.com.br

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