Quadrinhos de rua

por Diogo Rodriguez

Americano radicado no Brasil mistura linguagens e espalha HQ pelos muros do Rio de Janeiro

Os muros de cidades grandes como São Paulo e Rio estão cada vez mais preenchidos por letras enigmáticas coloridas e desenhos surreais, com personagens que às vezes são identificáveis, outras não. Alberto Serrano quis aproveitar o espaço quase infinito das paredes urbanas para registrar seu traço e também contar uma história, do tipo seriada. Uma história em quadrinhos espalhada pela capital fluminense, sua casa há dez anos.

Tito, como ele é conhecido, nasceu e cresceu na zona norte em um bairro periférico e é filho de imigrantes. Criou um personagem que reflete o sentimento de estar em um lugar estranho, o Zé Ninguém, que chega ao Rio procurando sua amada Ana. Um retirante sabe-se lá de onde, que estreou numa pilastra próxima à rodoviária, um local adequado. Já são mais de 50 desenhos da aventura, batizada de Street Comics e registrada no livro As Aventuras de Zé Ninguém e o Cão Vira-Lata.

Mas Tito não é nordestino, tampouco brasileiro. Nascido no Bronx (no norte de Nova York) e filho de imigrantes porto-riquenhos, mora no Brasil com a esposa desde 2001 e recentemente teve seu primeiro filho. No limite entre a HQ e o grafite, Serrano diz que está mais para as primeiras. Em conversa com a Trip, contou como surgiu a mistura de quadrinhos e arte urbana e os planos para o personagem Zé Ninguém, que incluem livros e passagens pelo exterior.

Como veio parar aqui?
Minha família é do Bronx, emigrou do Porto Rico. Nasci e fui criado no Bronx. Minha primeira língua é o inglês. Falo um pouco de espanhol, o que me ajudou a aprender o português. Em 2001 eu conheci minha esposa, Flávia [brasileira], fora do Brasil. Viemos tirar férias aqui. Eu tinha 22 anos e queria estudar arte. Mas aí rolou o 11 de setembro. Lá, a gente trabalhava juntos numa loja de cópias da NYU. Acabamos ficando por aqui.

O que você fazia nos EUA?
Trabalhei desde os 16. Fiz muitos bicos em lojas, nunca fiquei muito tempo [nos empregos]. Eu sabia que eu precisava fazer o que eu faço hoje em dia: criar, inventar coisas, variar. Faço várias coisas. Agora estou na escultura.

Quando você morava no Bronx já desenhava na rua?
Não. Quando virei adolescente, o Giuliani, o prefeito, já estava pegando no pé. Qualquer coisa, já "rodava". Não tinha como entrar no grafite sem rodar. Falei: Deixa pra lá, eu curto mesmo os quadrinhos". Eu via grafite e achava "maneiro", mas achava que não tinha continuidade, eram só letras e personagens naquela época. Nunca pensei que eu fosse grafitar um dia. Quando eu vim para o Rio - aqui todo mundo é bom de grafite - me chamaram [para grafitar]. Fui brincar por tédio de ficar no estúdio, Comprei duas latas e fui com um rapaz, fazendo um sapo. Depois, foram mais latas, treinei na cartolina. Aí tentei fazer [desenhos] mais realistas, reproduzir fotos. Enjoei, estava pegando foto dos outros. Fiquei parado um tempo, pensando. Bolei esse negócio de street comics com o Zé Ninguém. Pensei em fazer uma coisa brasileira, puxei coisas latinas, de Porto Rico. Estava aqui como imigrante, então usei isso também. A rodoviária era o lugar perfeito para começar e fiz o primeiro grafite na pilastra. Naquela época, valia tudo. Todo mundo pegava muro e a polícia dava parabéns. Vindo de Nova York, era muito estranho. Lá você cospe na rua e pode tomar uma multa.

São quantos desenhos no total?
Estou chegando na metade. Já são quase 50. Cento e um é minha meta na sequência básica.

A história já está definida?
Já está "plotada", já sei para onde vou levá-lo, mas, dependendo das circunstâncias e dos muros é que eu escolho isso. Senão fica chato até para mim.

Você fez desenhos da história só no Rio?
Fiz um cachorro no Bronx [risos]! O King Bee, grafiteiro da minha área, ficou animado com o meu trabalho e pediu para eu fazer por lá. Estamos planejando uma coisa para o ano que vem. Vou todo ano por causa das convenções de quadrinhos em Nova York. Já fiz dois muros com meus personagens lá.

Tem outros tipos de intervenção, como essa "Ninja attack".
Isso é para pensar nas possibilidades do street comics. Tem a tirinha, que fica flutuando e depende do cenário do lugar. Pensei nisso de fazer painel, quadrinho mesmo, no muro. Esse ficou só um mês, em Copacabana.

Essa história vai para um livro?
Já fiz dois: um com as fotos das primeiras 33 tirinhas, que é origem do Zé Ninguém e o cão e vendi em Nova York e no Rio. Esgotou aqui. A galera aqui conhece. E fiz outro com os quadrinhos dele. Quero fazer mais dois até terminar a série. E aí partir para outra história talvez. [Dentre esses] Vou fazer uma graphic novel do Zé Ninguém. Aprofundar de um jeito que não dá pra fazer no muro.

Quais suas influências nos quadrinhos?
Cresci lendo super-herois. Tintim, Calvin, Lobo Solitário e Filhote. Tudo com jornadas e pares de pessoas. Em termos de grafite, olhei para osgemeos, aquela coisa alaranjada.

E outros no grafite?
Tem o King Bee, de Nova York, que faz abelhas pela cidade. Ele é uma grande influência porque o via desenhando no meu bairro desde moleque. Vou ser sincero: não me interessava muito pelo grafite. Achava muito limitado.

Você se considera um meio-termo entre os dois mundos?
Eu não sou um grafiteiro fazendo quadrinhos, sou um quadrinista fazendo grafite. Mas eu gosto de arte em geral, de pintura, escultura.

Vai lá: www.titonarua.com

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