Conheça Tomio Kikuchi, o introdutor da macrobiótica no Brasil
Conhecia as histórias e a sábia alimentação aplicada por Kikuchi há 25 anos. Nos anos 80, tive a chance de me relacionar com muitas pessoas que eram adeptas de dietas preventivas. Restaurantes vegetarianos pipocavam por todo o Brasil, nos recantos mais insólitos e paradisíacos: Canoa-Quebrada, Paraty, Visconde de Mauá, Trancoso, Floripa, Pirenópolis, Saquarema... e, óbvio, nas grandes metrópoles. Em todos esses locais, bichos-grilos, abduzidos, naturebas, rajneesh, praticantes de taichichuan, desbundados, lua-e-estrela e papo-cabeça falavam maravilhas de mestre Kikuchi. Seu restaurante, o Satori, se localiza na praça Carlos Gomes, na sobreloja de um prédio antigo da Liberdade, sem nenhum letreiro que não seja seu cardápio descrito em uma lousa à entrada. A serena e majestosa esposa de Kikuchi, dona Bernardette, orienta há décadas as noviças da cozinha.
O leão não é de nada
Começamos o roteiro visitando uma feira de produtos orgânicos e biológicos no parque da Água Branca, onde vegetais, cereais, leguminosas e uma variedade imensa de pães são comercializados para os adeptos da alimentação orgânica e nutritiva. Caminhar com o mestre na feirinha é o mesmo que circular com a Juliana Paes em Ipanema numa tarde de sol. Kikuchi é celebridade. Seu olhar é cirúrgico. Ele aponta os legumes de raízes autênticas e sutilmente mostra quais são os produtos com conservantes e outros venenos. Pergunto a ele algo prático: “Para um atleta que corre dez quilômetros em treinamento para as Olimpíadas, qual seria a dieta ideal?”. “O atleta tem de comer cereais. Animais carnívoros não têm potência: o leão, quando começa a correr, não agüenta”, exemplifica. Mas, professor, o leão, da inércia, consegue dar um salto de 9 metros... “Mas não sustenta a corrida. Observe a lebre, o cavalo, o elefante: têm durabilidade, pois comem capim. Vivem felizes, não faltam vitaminas”, insiste. Nosso passeio termina pelo parque e somos deslocados ao pulmão de São Paulo, na região da serra da Mantiqueira, Mairiporã.
A escola Musso está situada a 1100 metros de altitude, ao lado da reserva florestal da Cantareira. Muita gente boa passou por aqui, como os ministros Gilberto Gil (que o conhece há mais de 20 anos) e Marina Silva, as cantoras Beth Carvalho e Vanessa da Matta, a atriz Cássia Kiss — todos descobriram que, mudando os hábitos alimentares, as pessoas trabalham em um processo que Kikuchi chama de auto-educação vitalícia. Enquanto nossa comitiva passeava pelo sítio, Kikuchi falava dos benefícios de todas as ervas e árvores que encontrávamos pelo caminho. De repente, um alarido ecoou: estávamos sendo recebidos por uma multidão de macacos da floresta — e Kikuchi abriu um enorme sorriso. À sombra de uma ameixeira japonesa, catou uma frutinha e ensinou: “Assim, a boca fica sempre úmida. Fonte da humanidade é a saliva: boca seca é deserto bucal, boca úmida é oásis”, manda.
Seguimos à cozinha, onde era preparado um banquete delicioso. Totalmente orgânico, o almoço foi um manjar dos deuses. Os pratos e acepipes davam água na boca. Devoramos com absoluto prazer. Shanti. Shanti. Shanti. Ao final, mestre Kikuchi declarou: “O sangue renova a vida. A matéria-prima do sangue entra pela boca. Cada bocada de comida transforma cada gota de sangue. O sangue trabalha 24 horas ininterruptamente, sem parar para descansar. Temos que ter entusiasmo em nossa vida inteira. Entusiasmo satisfatório e controlado”. Deus abençoe o professor Tomio Kikuchi e todas as pessoas envolvidas nesse processo de respeito e resgate da vida. Namastê.