Incensado pelo New York Times, Otto ressurge e lança disco depois de um inferno pessoal

Cinco anos sem disco, um casamento desfeito e muita zoeira na cachola depois, Otto ressurge, incensado pelo New York Times. Em uma iniciativa mais Brasil, levamos o pernambucano pra dar uma de camelô no centrão de São Paulo e deciframos a nova fase de sua vida e carreira

Em fase de orgulhosa independência, Otto arma a barraca e vende seu peixe no centro de São Paulo. Tudo cena para a Trip, vá lá. Mas o povo, ignaro da farsa, caiu nas graças do compositor/camelô. O disco vai para as lojas brasileiras, de verdade, este mês, lançado pela Arterial Music.

Depois de lançar seu último disco, o Sem gravidade, Otto foi ficando meio... sem chão. “Tinha hora que eu sentia como se eu não existisse”, diz, meio que explicando o que se passava em sua povoada cabeça em parte dos últimos cinco anos. Tempos em que se viu sem gravadora, sem uma agenda de shows, sem espaço na imprensa. Cinco anos que levou para terminar um disco, seu primeiro independente. Foi o fim da sua terceira década de vida, que culminou também com o fim do casamento com a atriz Alessandra Negrini. Otto, que nunca foi um primor de calma e equilíbrio, entrou oficialmente em crise. “Doeu muito ficar sem trabalhar, ver a família separada. Olha, me afundei, me destruí muito, rapaz. E chegou uma hora que eu tinha meus amigos maravilhosos, mas ninguém pra ouvir”, desabafa enquanto toma um café com leite e mistura ideias e imagens, como é de seu costume na vida e na arte.

Deu no New York Times
Caos existencial, sim. Mas nada que a primeira página do maior jornal do mundo não resolva... A entrevista que ele concede à Trip é a primeira para a imprensa brasileira em muito tempo. “Estou destreinado com jornalistas”, se justifica, enquanto busca palavras para definir como anda sua vida espiritual depois do limbo artístico onde vagou. Mas, há alguns meses, deu a entrevista mais importante de sua carreira. Seu disco, o longamente gestado Certa manhã acordei de sonhos intranquilos, caiu nos ouvidos do selo americano Waxpoetics, que o lançou no meio do ano, apenas nos EUA. A ocasião moveu Larry Rother, o célebre ex-correspondente do New York Times no Brasil, que conversou e fez um perfil de Otto para a primeira página do caderno de cultura do megapoderoso jornal. Pronto.O elogioso texto fez com que Otto fosse descoberto por uma massa gringa. O álbum tornou-se em questão de dias bem resenhado, comentado e devidamente baixado pela internet. CNN, Starbucks e iTunes destacaram nosso patrício em seus playlists. E a tempestuosa condição emocional de Otto recebeu ventos mais tranquilos. Sua carreira de praticamente 20 anos está ganhando um silencioso embalo que promete colocá-lo em uma posição a que todo o hype da “nova MPB” da gravadora Trama falhou em alçá-lo.

Acontece que sucesso, neste fim de década, certamente tem novos contornos. A mesma onda que abalou a Trama e tantas outras gravadoras, a mesma onda que baixou o orçamento de clipes e reduziu os contracheques de tantos músicos, agora é a mesma que empurra Otto para uma praia muito mais adequada a seu espírito solto, sem carão, pernambucanamente fuleiro. “Deus hoje é digital”, reza Otto. Depois do arcaico New York Times, é na rede que seu disco ganha terreno e, na prática, colocou sua carreira na mesma condição que sua música está há muitos anos: fluida, sem regras, cheia de ecos e nenhuma possibilidade de um rótulo. Aos 41 anos, Otto é mais contemporâneo do que nunca. E seu torrencial Deus de bits começa a operar seus milagres também na cabeça do instável Otto dos últimos anos: “Estou vendo que depois de muito tempo conquistei mesmo uma independência, sem gravadora, sem diretor de clipe, trabalhando na base da amizade. Parece que só agora me sinto em um lugar que é meu mesmo”.

“A gente vive em um mundo new brega, onde você circula em tudo, compra tudo, veste qualquer coisa. é isso que o Brasil é, e que o mundo está tentando ser”

Bordoadas profundas
Certa manhã acordei de sonhos intranquilos é o primeiro disco independente de Otto e também seu mais sério. Dá para sentir em cada letra e arranjo o dedo da tristeza e da sensação de perda que Otto viveu como artista (e marido?) nos anos em que o gravou. Odeio o adjetivo para falar de arte, mas nesse caso faz sentido: é um disco mais maduro... não porque entrega serenidade ou equilíbrio, mas porque transparece os calos e a voz de quem tomou bordoadas profundas. Produção dele e de Pupilo, o baterista da Nação Zumbi. Arte de Tunga. Coisa fina.

Foi tal fineza que Otto levou ao centro de São Paulo, a pedido da Trip, para posar de camelô de seu próprio CD. Lá qualquer sensação de ostracismo midiático que pode ter sofrido se desfaz. Menos de dez minutos parado na frente da Praça da República o povo cola em massa. Uns conhecem Otto, outros gostam da capa, a maioria pergunta quanto custa a bolachinha. Não está à venda. Apenas dublês de disco para a foto. Algo que Otto teve que explicar uma última vez para a polícia que, no fim da sessão, mandou desarmar a barraca. “Te conheço da TV, mas não pode vender mesmo assim...”, explica um gentil guarda dentro da viatura.

Talvez dessa falta de cerimônia em praça pública Otto sinta falta. Por conta de um tour pelos EUA, onde sua carreira decolou novamente, Otto sente que seu caminho pode estar lá. Pensa em se jogar para Nova York depois do lançamento do disco aqui no Brasil. “Tenho uma certeza forte sobre mim. Mesmo quando me sentia por baixo, sempre fui arrogante demais para me sentir fracassado. Quero meu espaço, ser reconhecido, sou artista, porra.”

“Tenho dez anos para ter um conforto pessoal. Mas nunca, nunca pensei em mercado, em vender disco"

Arrogância e sucesso na América à parte, Otto não se diz recuperado do personal inferno. “O dia está amanhecendo agora”, explica com ar tranquilo, muito menos disperso e caótico do que o do passado, quando o entrevistei outras vezes. “Morri pra nascer de novo”, segue com as metáforas, mas com ideias concretas do que espera do futuro. “Tenho dez anos para ter um conforto pessoal. Mas nunca, nunca pensei em mercado, em vender disco. Mas agora é uma fase em que vou ter que me firmar de verdade.”

Mas não é a carga emocional, ou o vislumbre do pé de meia, que vai vender o petardo, lotar shows e lhe dar o dinheiro para chegar aos 50 sem os perrengues financeiros que ainda vive no começo dos 40. O que dá a sensação de que Otto “agora vai”, curiosamente, são as mesmas razões que estão fazendo do Brasil uma unânime promessa para o futuro próximo. Tão próximo que a sensação geral é a de que o futuro chegou. É Otto quem, no meio de um desabafo, enumera motivos. “A gente vive num mundo new brega, onde você circula em tudo, compra tudo, veste qualquer coisa. É menino com cara de deprimido tocando Roberto Carlos, você pode ser Odair José e metaleiro. E é isso que o Brasil é, mais aberto a mudanças, é o que o mundo está tentando, está aprendendo a ser.”

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