por Bruno Fonseca
Trip #223

Colocamos um repórter na cola do Movimento Passe Livre para tentar saber mais sobre os ativistas

Colocamos um repórter na cola do Movimento Passe Livre para tentar saber um pouco mais sobre os ativistas que pararam São Paulo e todo o país

Domingo, 23 de junho, primeiro fim de semana após o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad revogarem o aumento de R$ 0,20 nas tarifas do transporte coletivo de São Paulo. Na porta de um centro cultural no bairro do Sumaré, Caio Martins, um dos integrantes do Movimento Passe Livre (MPL), come um pão de queijo, seu almoço naquele dia. Jornalistas insistentes, mas já um tanto cansados, esperam ouvir do rapaz alguma palavra sobre os rumos do grupo disforme que, dias antes, havia catalisado a maior manifestação popular que o Brasil viu desde o impeachment de Collor.

Caio tem 19 anos e é estudante de história na USP. Franzino, usa óculos e parece gostar de manter os cabelos desorganizados. Surpreende-se com a minha chegada. “Não estávamos aguardando jornalistas”, disse. Expliquei que havia visto a chamada para a reunião de apresentação do MPL aos cidadãos na própria página de Facebook do movimento, que já reúne cerca de 280 mil fãs. Ressaltei também que havia dias tentava contato com pelo menos outros seis membros do grupo, sem sucesso. “Recebemos mais de 300 pedidos de entrevistas nesses dias e não temos como falar agora. A gente não esperava que fosse ter essa repercussão”, alegou educadamente, porém desconcertado.

Seus parceiros de movimento zanzavam de um lado para o outro, também sem se identificarem ou falarem com jornalistas. Na maioria, eram jovens, aparentando entre 18 e 25 anos. Não havia nada que os estereotipasse, como cor de pele, estatura ou vestuário. Todos trajavam a camiseta do movimento. Até era possível discernir algumas lideranças, mais pela experiência e pelo traquejo do que por cargos formais.

Em outro dia, por telefone, consegui conversar com outro integrante: Marco Magri, 27 anos, no movimento desde 2006. Segundo o rapaz, que preferiu não informar a sua ocupação, o grupo se organiza organicamente. Há membros mais assíduos e outros com participação esporádica, como o próprio, que diz se envolver mais quando há passeatas. Foi tudo o que consegui tirar dele.

Já nas ruas, encontrei com a ativista Viliane Pinheiro, também pouco disposta a liberar informações. Disse apenas que o grupo conta com cerca de 40 pessoas em São Paulo, mas que abrange outras tantas parcerias flutuantes, sendo difícil mensurar com precisão quantos membros são ao todo. Ela assegurou que o MPL opera sem financiamento externo e depende da venda de suvenires, como camisetas, e doações. Quando preciso, o grupo inclusive se articula para conseguir bancar as fianças de detidos em protestos.

“Uspianos”

É evidente a presença de uma grande parcela de jovens estudantes, muitos deles da USP, como Mayara Vivian, da geografia, e Nina Cappello, do direito, que foram à mídia falar em algumas ocasiões. Mayara, além de estudante, é garçonete no Sabiá, um boteco chique na Vila Madalena. Nina era matriculada na USP de Ribeirão Preto, mas pediu transferência para a unidade paulistana depois que conheceu o pessoal do movimento. “Ela sempre foi envolvida em assembleias, reuniões e movimentos. É muito engajada na causa. Luta e consegue empolgar facilmente qualquer um a também querer participar e lutar por seus direitos”, disse seu primo João Capello, em entrevista ao site Terra.

Além da força estudantil, o MPL conta também com a simpatia de gente como Lúcio Gregori, ex-secretário de Transportes na gestão de Luiza Erundina (1989-1992). Ele chegou a propor a tarifa zero quando estava no governo – o projeto previa a criação de um fundo que recolheria fatias de uma cobrança progressiva no IPTU. A proposta, entretanto, foi derrotada na Câmara Municipal. “A tarifa zero pode ser implementada por diversas formas. Pode ser através de um fundo, como propusemos na gestão Erundina, pode ser através da estatização, pode ser através de modelos mistos. A população tem que exigir do governo que o transporte seja gratuito, pois é um direito. E os governantes, que são os responsáveis pelo orçamento, devem propor uma solução. Dizer que não existe dinheiro para isso é uma mentira”, comentou Gregori, que costuma participar das reuniões do grupo.

Outra voz de apoio é a de Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, que aderiu à luta pelo passe livre quando viu um embrião do movimento em ação em Florianópolis, há nove anos. “Há mais de dez anos que cidades brasileiras, jovens e estudantes fazem revoltas populares parecidas com as que estamos vendo hoje, demandando redução para as tarifas de transporte. Mas o Estado não incorporou isso à agenda política, se fez de surdo. O sistema político foi rejeitando essas mobilizações porque eram jovens, não tinham ligação com partidos”, acredita. “São jovens, mas se mostraram gigantes da política.”

O MPL nasceu meio soteropolitano, meio manezinho da ilha - foi em Salvador e Florianópolis que ele ensaiou seus primeiros passos. Em 2003, centenas de jovens e trabalhadores protestaram contra um salto no preço da passagem, coincidentemente de R$ 0,20, nos ônibus municipais da capital baiana, movimento que ganhou o nome de Revolta do Buzú. No ano seguinte, foi a vez da cidade do sul, com a Revolta das Catracas, que fechou o acesso à ilha e conseguiu reverter o aumento. Foi a partir das duas experiências que, em 2005, o MPL ganhou contorno nacional, batizado como tal na Plenária Nacional pelo Passe Livre, em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial.

Rapidamente, o movimento passou a organizar encontros nacionais e formar representações em diversos estados sob a proposta de horizontalidade e apartidarismo, mantendo aproximação com movimentos populares e partidos políticos de esquerda.

“Conheci o Movimento em 2006 através de pessoas ligadas à PUC de São Paulo e à FFLCH (Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP”, conta Maurício Fleury, músico do grupo Bixiga 70. “Esses movimentos foram muito fortes no início do século e foram feitos por estudantes em geral, não apenas da classe média alta, como parte da imprensa tenta tachar. E, mesmo se fosse, isso não tiraria a legitimidade do movimento, que é suprapartidário e até supraideológico, incluindo pessoas que seguem diversas linhas de pensamento, como a marxista e a anarquista”, diz Maurício, que cita o sociólogo e humanista Carlos Moore para explicar que a revolução tem que ser feita por pessoas heterogêneas: “O racismo só vai mudar quando os brancos começarem a lutar contra ele”.

E agora?

Voltemos ao Sumaré. A querela com os jornalistas só foi ter trégua após todos concordarem com a presença da imprensa, sob restrição dela não gravar nada. A reunião findou por reforçar a meta da tarifa zero, que seria desdobrada em uma carta enviada no dia seguinte à presidenta Dilma Rousseff. O texto questionava a mandatária quanto à inclusão do transporte como direito social através da Proposta de Emenda Constitucional 90/2011, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

Enquanto isso, ainda tentando entender o que é o momento que estão vivendo – assim como todos nós –, os membros do MPL permanecem de olho nas resoluções oficiais e prometem convocar novas ações em prol do objetivo que leva o nome do grupo: a passagem a custo zero. A conferir.

*Colaborou Marcos Diego Nogueira

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