Lucro: vilão ou mocinho?

por Redação
Trip #209

Encaramos 24 personalidades para entender o que torna a vida mais rica

Lucrar é obter – ou levar – vantagem. é fazer o bolo crescer para depois dividir. ou comer sem dividir com ninguém. Encaramos 24 personalidades para entender o que torna a vida mais rica

Lucro é a razão pela qual as pessoas se arriscam. É o prêmio para quem faz algo diferente. Ou é o jeito mais simples de apurarmos a diferença entre o que plantamos e o que colhemos.
Luiz Gustavo Medina, economista e apresentador do programa Fim de Expediente (Rádio CBN)

No mercado de arte, lucro é algo difícil de mensurar, principalmente no momento da compra. A grande sacada do colecionador é descobrir um jovem talento que poderá ter uma grande carreira. É ver o que ninguém ainda viu. As pessoas não compram arte pensando apenas em lucrar. Compram para alimentar o espírito, estimular a reflexão, os sentidos e conviver com pensamentos, ideias, conceitos distintos ou semelhantes aos seus. Um amigo tem uma frase genial: “Eu nunca comprei arte como investimento, mas arte foi o melhor investimento que eu já fiz”.
Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte

No candomblé, o orixá ligado ao lucro, ao comércio, à ambição e à prosperidade é Exu. Brincalhão, Exu é considerado o mais humano de todos os orixás. Se a pessoa está passando por alguma dificuldade financeira, ela faz uma boa oferenda com comidas e bebidas a Exu para receber ajuda.
Márcio de Iansã, pai de santo

Todos podem lucrar quando uma cidade valoriza o planejamento urbano, mas os maiores beneficiários são seus próprios moradores. A cidade é um negócio lucrativo para inúmeros agentes econômicos: comerciantes, industriais, promotores imobiliários, empresários de ônibus, empreiteiros de obras públicas, concessionários de serviços de limpeza pública... Eles “vivem” da cidade, mas suas atividades precisam ser reguladas para não afetar a qualidade de vida dos que moram e trabalham, inclusive desses próprios empresários. Nos países pobres ou muito desiguais, como é o caso do Brasil, as pessoas geralmente não dão muita importância para o planejamento, cujos resultados aparecem apenas a médio e longo prazo. Prevalece uma visão imediatista, que acaba por prejudicar o futuro da cidade. Como o espaço urbano é lócus de muitos interesses particulares, o planejamento urbano precisa ser participativo, ou seja, garantir que todos possam debater a cidade que querem. Não por acaso, as melhores cidades do mundo são as que foram planejadas e, ainda mais, as que são geridas de forma participativa. Quem lucra é o cidadão.
Nabil Bonduki, arquiteto, urbanista e professor da FAU-USP

Lucro é ter um ganho de vida estável em que a renda seja suficiente para a sobrevivência.
Gilberto Alves dos Santos, pintor de paredes

Lucro é valorizar jogadores de ontem. É também ser feliz sendo devidamente remunerado em um belo ambiente profissional, ou poder estar em casa – infelizmente por tão pouco tempo – ao lado de esposa, filhos, noras e netas. No jornalismo esportivo, lucro é fazer uma bela entrevista, contar boas histórias (sou bom nisso), dar bom retorno às emissoras de rádio e TV que me contratam com bons índices no Ibope. É ainda ouvir um diretor dizer “aos 60 anos você parece um juvenil revelação, fazendo 12 horas diretas de rádio e TV com qualidade aos domingos!”.
Milton Neves, colunista e apresentador esportivo

Quando o lucro é fruto de atividades ilícitas, do crime organizado, merece total reprovação do Estado e da sociedade. Ele cria uma economia paralela, não contabilizada e não tributada. Beneficia uma minoria e causa profundos danos à maioria. Fomenta o fortalecimento da própria criminalidade, pois nela é reinvestido. Em atividades lícitas, dentro da livre iniciativa privada, desde que tenha uma finalidade social, o lucro é indispensável para a empresa e para a sociedade.
Odilon de Oliveira, juiz federal, recordista em condenar traficantes, alvo constante de ameaças de morte

Lucro é bom quando todo mundo sai lucrando, inclusive o planeta. Por isso sempre digo que o lucro não pode ser medido apenas no aqui e agora, mas na história. Não se pode sacrificar recursos de milhares de anos pelo lucro de algumas décadas ou alguns anos. Não se pode vê-lo de uma forma atemporal porque o prejuízo também é medido na história. Sem o lastro da ética ou dos valores, o lucro cria bolhas de vantagens e prosperidade que não têm sustentação. É essencial essa perspectiva.
Marina Silva, líder socioambiental

Lucro pra mim é grana. O dinheiro traz felicidades, tudo que existe de bom no mundo é o dinheiro. Não adianta você falar que não, você não pode pôr o pé pra fora de casa que já tá pagando. Quando você chegar na minha idade [78 anos], vai ver que o dinheiro é muito bom, é 99% felicidade. Esse negócio de dizer que dinheiro não traz felicidade é conversa mole, não vai atrás disso não. Saúde é maravilhoso, mas tenho uma dor no joelho e penso: estar com essa dor e muita grana é melhor do que sem a dor e sem grana.
Conradino Milton Scotti, vendedor

Para mim, lucro é um meio e não um fim. Apesar de necessário em qualquer atividade econômica, o lucro é só uma ferramenta. Se ele não tivesse existido no meu passado – ou se não acontecer mais no futuro – não seria possível atuar como investidor-anjo [aquele que aposta em uma empresa que está começando]. Uso minha experiência, meu tempo e capital para participar dos sonhos de empreendedores que tentam mudar o mundo com suas criações. Assim, satisfaço os critérios que sempre uso no trabalho: lucro, qualidade de vida e aprendizado. Como investidor-anjo, minha qualidade de vida se une a um aprendizado constante, e o lucro não só permite continuar o trabalho como também se torna a recompensa por tentar criar algo maior do que eu.
Yuri Gitahy, investidor-anjo, fundador da Aceleradora

Meu lucro é estar na televisão e fazer o que gosto. Qualquer pessoa que faz o que gosta já está lucrando, mesmo que não ganhe no lado financeiro. Aliás, no lado financeiro de lucro eu sou péssima! Minha pior matéria é economia, sou igual criança. Não entendo nada, minha irmã cuida de tudo pra mim. E em nenhuma circunstância faço as coisas pensando se estou saindo no lucro ou no prejuízo. Na televisão, mais do que a audiência, acho que lucro é a repercussão de algo que fiz.
Sabrina Sato, apresentadora

Depois que fiz o filme Quem se importa [documentário sobre empreendedores sociais ao redor do mundo, com entrevistas de 18 entre os maiores nomes do setor social] aprendi que há pessoas brilhantes com ideias inovadoras para solucionar os grandes problemas da humanidade. E que é possível SIM acabar com os maiores problemas do mundo. Percebi que o empreendedor de negócios e o empreendedor social têm o mesmo espírito. Nasceram da mesma semente de inquietação e capacidade de implementar suas ações. Mas, enquanto o empreendedor de negócios visa o lucro dos acionistas, o empreendedor social busca o lucro do bem-estar comum, do desenvolvimento da comunidade ao seu redor.
Mara Mourão, diretora e roteirista

A raiz latina da palavra “lucro” significa tanto “proveito e ganho” quanto “avareza, cobiça, viver à custa do outro”. Nesse sentido, os ensinamentos de Jesus Cristo tratam o lucro como uma prática desumanizadora. Em inglês, “lucro” é “profit”, que vem do latim “proficere”, que significa progredir, ter sucesso – o que pode nos levar à proposta da teologia da prosperidade, aquela heresia que não tem nada a ver com o estilo de vida dos seguidores de Jesus. O fato é que a cultura do lucrar em detrimento do outro – conscientemente ou não, direta ou indiretamente – não coaduna com a proposta de humanidade defendida por Jesus. Para o cristão, bênção não é sinônimo de prosperidade financeira. Muitas vezes, riqueza e lucro são quase antônimos das bênçãos espirituais. Quem tem o outro como causa não precisa de novas causas. O ensino de Jesus é importante porque aponta a utopia possível para o homem, na qual o lucro deixa de ser meu e passa a ser nosso.
Levi Araújo, teólogo, membro do Fórum Cristão de Profissionais, São Paulo

Quem surfa já está no lucro desde a primeira onda, basicamente ganha a recompensa ali. Financeiramente, acho que hoje em dia tem muita gente no surf penando pra ter lucro. O lance é que o surf lida com a emoção das pessoas, então é um mercado um pouco fora do padrão. Eu diria que 70% das pessoas envolvidas com o surf não têm lucro, fazem por amor. Os outros 30%, as empresas, associações, escolas, de fato conseguem tirar algum lucro financeiro disso. Mas o surfista em si já tem o lucro dele, ele pega onda. Ele até gasta pra fazer isso. Gasta não, ele investe. O retorno vem em forma de onda.
Teco Padaratz, surfista e músico

Eu quase morri duas vezes, então tudo o que veio depois disso foi lucro. Na primeira, em 2001, fiquei 23 dias na UTI com uns problemas horríveis. Quando saí do hospital fui fazer uma turnê e comecei a detonar tudo que eu detonava antes. Quando voltei pro Brasil tive uma overdose de speedball [mistura de heroína ou morfina com cocaína ou metanfetamina] e voltei pra mesma UTI, quase morri de novo. A partir daí, tudo foi lucro. Meus filhos, minha mulher, minha casa, minha carreira... é tudo lucro, porque já era pra eu ter morrido.
João Gordo, rato de porão

Lucro é tudo o que você consegue ganhar de qualquer experiência, tanto financeiramente quanto emocionalmente, sendo este último o mais valioso para mim!
Brunette Fraccaroli, mulher rica

Lucro é quando eu compro essa folha de Zona Azul por R$ 2 e vendo por R$ 3.
João dos Santos, vendedor de Zona Azul

Lucrar, em qualquer hipótese, é conseguir usufruir de seu ganho plenamente sem culpa, com total gozo do crescimento. Ah, eu escrevi um livro de 300 páginas sobre esoterismo e 2012. Se interessar à Trip, me fale, OK?
Dhomini, vencedor do Big Brother Brasil 3 (2003)

Depende da referência. A maior riqueza que existe é o quanto a gente conhece de si, o que está dentro da gente. Se você está autossatisfeito, esse é o maior lucro, a maior dádiva que o homem pode ter é a felicidade interior.
Boddhana Tattva, monge Hare Krishna e vendedor de incensos

Profissionalmente, lucro para mim seria a diminuição da criminalidade. Servir a população pra mim é lucro, porque somos pagos para isso.
André Ricardo, policial

No início, bandas como Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin me pareciam mais preocupadas em solidificar um novo estilo do que em vender uma imagem. O primeiro “comerciante” foi o Kiss, com aquela produção toda e visão empresarial. Mas ainda assim o lucro parecia mais a consequência do que a causa de tudo. Hoje, com as gravadoras à deriva, começou um canibalismo artístico em busca do lucro a qualquer preço. Bandas se tornaram “elefantes brancos” a serem sustentados. Talvez o Iron Maiden seja um exemplo, vivendo fiado na marca poderosa que possui. Quando começamos com o Viper, em meados dos anos 1980, nosso sonho era gravar um disco na Europa e fazer turnê no exterior. Quinze anos depois, já sentia as decisões artísticas submetidas ao business. A história da minha segunda banda, o Angra, empresariada pela revista Rock Brigade, ilustra isso. Hoje me arrependo daquilo. Gostaria muito de saber aonde teríamos chegado sem os privilégios que a revista nos dava.
Andre Matos, ex-vocalista das bandas Viper, Angra e Shaman, atual Andre Matos Band

Lucro para mim é quando eu me divirto, me sinto bem e à vontade, fazendo as pessoas felizes com meu trabalho – e ainda ganho dinheiro com isso. Para mim, ganhar dinheiro mas não ter essas sensações ao mesmo tempo é a mesma coisa que sair no prejuízo. O lucro não é só o dinheiro, ao contrário do que a maioria pensa. Sem satisfação não pode haver lucro. No meu trabalho o maior lucro é ser reconhecido como um distribuidor de entretenimento, diversão, credibilidade e felicidade. É ter seu esforço, talento e trabalho em equipe reconhecidos por meio da manifestação espontânea das pessoas que assistem ao programa simplesmente porque se sentem bem.
Britto Jr., apresentador do reality show A Fazenda

Lucro pra mim é viver bem sem atropelar ninguém. É viver sem lucrar com a exploração ou o trabalho escravo de outras pessoas.
Rappin Hood, rapper

A tradição judaica é pioneira em estabelecer uma ética para a questão econômica, ao responsabilizar as atividades humanas, mesmo as mais mundanas, por trazer consequências espirituais. Por um lado o judaísmo estabeleceu as primeiras regulamentações aos juros e ao lucro, afirmando responsabilidades sociais na atividade econômica; por outro, reconheceu que o lucro e os juros são inerentes à atividade econômica e que qualquer economia que não contemple isso ficará paralisada pela falta de crédito e de disposição para investimento. Os registros rabínicos mostram uma constante batalha entre o desejo de uma atividade econômica seguir caminhos “selvagens”, marcados pela ganância e cobiça, e a necessidade de instituições coletivas que restrinjam esse movimento. Os mestres sabiam dessa máxima paradoxal: riqueza coletiva advém de restringir e regular riquezas individuais, ao mesmo tempo que a riqueza coletiva depende da riqueza individual.
Nilton Bonder, rabino e rosh da Congregação Judaica do Brasil, Rio de Janeiro

 

Depoimentos: Anabelle Custodio, Flavia Fraccaroli, Lia Hama, Lino Bocchini, Mariana Morais, Olivia Nachle e Ricardo Alexandre

fechar