Guru da autoajuda financeira conta como chegou ao primeiro milhão aos 31 anos
Um MILHÃO de reais ACUMULADOS Aos 31 anos; um milhão e meio de livros vendidos aos 38. Uma vida acadêmica trocada pelo conforto das listas de autoajuda. nadador, professor, administrador, palestrante, pai, marido e, agora, figurante de cinema. Para quem começou a carreira pensando em não trabalhar (e gosta de lembrar que não precisa mais trabalhar), até que Gustavo Cerbasi tem estado bastante ocupado
Depois de atravessar a portaria mais intimidadora com que já travei contato (com direito a muros da altura de locomotivas, saleta sem janelas e documentos enviados por uma gavetinha de aço cravada no concreto), vaguei lépido por corredores, vagas de estacionamento e elevadores do condomínio de prédios de luxo no bairro da Aclimação, região central de São Paulo, para ter a inédita experiência de ver ao vivo um milionário da mesma idade que eu. Tarde recheada de novidades, vou dizer.
O apartamento de 280 metros quadrados, decorado com esperteza e bom gosto, foi meio que invadido pelos Cerbasi depois de uma suspeita de sequestro que alterou a rotina da família – Gustavo, 38 anos, escritor e palestrante, sua esposa, Adriana, 37, ex-vendedora de implantes dentários, e seus três filhos, Guilherme, Gabrielle e Ana Carolina. Com 1,41 milhão de livros vendidos dos nove títulos que lançou desde 2003, Cerbasi precisava do que ele define como “cuidados que toda pessoa pública no Brasil precisa tomar”: carros blindados, protocolos de segurança ensinados por policiais. “Eu perco, todo mundo perde. Quanto eu poderia investir se não gastasse tanto com segurança?” Cerbasi conta que o apartamento foi escolhido e preparado para que pudesse juntar os familiares. “Já que São Paulo não é tão segura, o jeito é trazer São Paulo para dentro de casa.”
Os ascendentes de Gustavo vieram da Itália no início da década de 1950, depois que a região em que viviam foi destruída pela guerra. Seus avós, seu pai e seus tios se instalaram em Americana, interior de São Paulo, para trabalhar na lavoura. Ganharam e perderam muito dinheiro. O pai do escritor, Tommaso, deixou a casa muito jovem, para tentar a sorte na capital. Casou-se com a paulistana descendente de lituanos Elza e, durante um curto período como representante comercial em Caxias do Sul, interior do Rio Grande Sul, nasceu Gustavo. “Minha memória é de uma infância sem abundância, mas sem falta”, recorda. “Se eu quisesse uma bicicleta, por exemplo, lembro de todo o esforço da família para que eu tivesse aquilo, e depois de como aproveitávamos o presente. Fizemos natação, inglês, mas, quando chegou a época de entrarmos em colégios de primeira linha, meu pai teve de sair de casa para trabalhar a 300 quilômetros, em Porto Ferreira.” Desde então, Gustavo e a irmã Kátia só encontravam com o pai aos finais de semana. Cresceram com a sensação de que o velho Tommaso “trabalhava demais”.
Durante nossa conversa, Cerbasi concluiu que vem da falta que sentia do pai sua busca obstinada por uma carreira que não lhe consumisse a vida pessoal e que, ao mesmo tempo, lhe rendesse R$ 1 milhão até os 41 anos. Cerbasi fez seu milhão aos 31, com uma ajudazinha do período de incertezas que se seguiu à eleição de Lula à presidência, mais ou menos ao mesmo tempo que publicava seu livro mais famoso, Casais inteligentes enriquecem juntos. Até o fechamento desta Trip, o livro já havia vendido 950 mil exemplares e sua adaptação para o cinema (Até que a sorte nos separe, de Roberto Santucci) estava em fase de pós-produção.
Gustavo Cerbasi formou-se em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas, especializou-se em finanças pela Stern School of Business de Nova York e fez mestrado em administração e finanças pela Universidade de São Paulo. Quando ainda era um professor em MBAs, leu o livro Pai rico pai pobre, do americano Robert Kiyosaki, donde tirou a ideia de estabelecer 50 fontes de renda passivas – ou seja, 50 fontes de renda que não dependessem de seu trabalho imediato. Em 2012, entre seus livros, audiobooks, os direitos pela coordenação da coleção de livros Expo Money e a participação no filme, Gustavo tem mais de 60. Isso sem contar as palestras por todo o Brasil, pelas quais cobra o cachê de R$ 14 mil. Guilherme, Gabrielle e Ana Carolina não vão poder se queixar da ausência do pai.
Embora brilhe nas listas de autoajuda há anos, Cerbasi está milhas distante dos livros tipo “cinco passos para enriquecer”. Não só pela bagagem teórica, mas pela visão humana da prosperidade. Uma visão que pode, eventualmente, frustrar uma geração massacrada pela cultura do consumo e pela ciranda financeira do crédito fácil. “O dinheiro é uma ilusão”, disse o escritor durante nossa entrevista. “Para que dinheiro, se você não sabe desfrutar?”
Cerbasi me recebe no mesmo escritório onde, 24 horas antes, havia concluído a última versão de seu décimo livro, O segredo dos casais inteligentes, cujo lançamento está previsto para o início de maio. O escritor aperta minha mão com o vigor de quem já foi um dos quatro melhores nadadores paulistas nos 100 metros costas. Senta-se em sua mesa irritantemente bem arrumada, atrás de uma pequena pilha de papéis, diante de uma estante com dezenas de livros de economia – e de um módulo com vários modelos de carrinhos sem aparente rigor de colecionador –, e começa a contar uma história cheia de números altos.
“Riqueza não é volume patrimonial, é equilíbrio. Tem gente rica com salário mínimo, tem gente em dificuldades com 50 mil reais”
Todo mundo pode ser rico? Ou melhor: todo mundo precisa querer ficar rico?
Se você entende “riqueza” como volume patrimonial, a resposta é não. Mas todo mundo precisa ter equilíbrio. Quem optou por morar em uma cabana em Jericoacoara, vai ter de vender seu peixinho e é bom que acumule uma parte do dinheiro para ter alguma qualidade de vida para quando não tiver mais forças para pescar. Há quem seja rico com um salário mínimo, há quem passe necessidade com R$ 50 mil por mês. Outro dia um cara me perguntou depois de uma palestra: “Gustavo, falando sério, em uma cidade como São Paulo dá para viver com menos de 50 mil?” [Risos.] “Cê tá louco, cara? Você vive em Mônaco?” [Mais risos.] Mas é o custo de viver cercado de segurança, em condomínio fechado, piscina, escola bilíngue, videogame, helicóptero... São escolhas. Eu não convido meus leitores à acumulação, eu os convido ao equilíbrio. Eu acumulei rápido porque não gostava do que fazia, mas o mundo está cheio de gente que ama sua profissão.
Antes de se tornar um escritor, você era professor, mas o que te fez milionário foram investimentos. E você ainda não gostava do que fazia...
Investimentos patrimoniais, ações, imóveis, mas também muitos investimentos na carreira. Na verdade, eu não me preparei para ser professor. Em 1995, eu fazia engenharia mecânica na USP. Tentava conciliar as semanas de provas com as competições e bombei. Perdi a motivação, então fui fazer administração pública na Getúlio Vargas, pensando em ter um segundo currículo e virar um engenheiro vitaminado. Me encantei com marketing, RH, sociologia, psicologia e comecei a achar que faria carreira nessa área mais humana dentro da administração. Depois de formado, um ex-colega de classe me pediu ajuda para um relatório que ele precisava entregar para o Itaú. Ele estava trabalhando numa consultoria de avaliação de empresas e aquele era um negócio gigante. Eu escrevo bem, e na faculdade sempre ficava com a montagem, a redação final dos trabalhos. Passei a semana inteira cuidando daquele trabalho, que era totalmente técnico. Enviei o relatório na noite de sexta-feira e no sábado embarquei para Curitiba para participar de um concurso para a Receita Federal. Não me preparei como deveria por causa do relatório. Precisava acertar 200 questões e acertei 198. Me senti o maior idiota da face da terra por não ter dito não a meu amigo. Mas aconteceu que ele mesmo me ligou naquela semana: “Gustavo, o relatório foi louvado, incensado, admirado, a empresa quer te contratar”. Aceitei, e me dedicava a fazer laudos. Passou um tempo, eu já estava cuidando também da análise. Passou mais tempo e a USP me chamou para uma análise conjunta... Até que a USP me identificou, entendeu que eu tinha jeito para falar com não financeiros, coordenar projetos, conduzir reuniões. Depois de certo tempo, comecei a cobrir aula de um, de outro, a ouvir que “a aula substitutiva foi melhor que a oficial” e em dois anos já havia assumido quatro ou cinco turmas de MBA, em cursos financeiros para gente de marketing ou advogados. Eu falava de finanças em empresas usando ferramentas das finanças pessoais. Imagine: o cara tem aula de contabilidade para o MBA em marketing, sábado à tarde, depois de um jogo do Brasil... Em vez de analisar um balanço da Petrobras, eu pedia para os alunos trazerem as declarações de imposto de renda. Aos poucos, todo mundo percebia a isca: eu só fingia falar de finanças pessoais, mas, na verdade, estava falando de negócios. Eu queria adotar uns livros para minha aula. Era a época em que o Mauro Halfeld estava na lista dos mais vendidos, o Robert Kiyosaki havia lançado o Pai rico pai pobre. Os do Halfed eram muito avançados, falavam de investimentos; o Kiyosaki era ruim porque invertia uns conceitos importantes de contabilidade que podiam confundir meus alunos. Então comecei a preparar minha própria apostila. Quando eu estava com a apostila pronta, dei aula para uma turma da qual fazia parte o Roberto Shinyashiki [psiquiatra e palestrante, um dos papas brasileiros dos livros de autoajuda], sócio da editora Gente. Ele me ajudou a transformar a apostila em livro, e assim saiu Dinheiro: Os segredos de quem tem. Meu objetivo era vender só entre os alunos.
Àquela altura você já tinha feito seu primeiro milhão?
Ainda não. Lancei o livro no início de 2003, havia acabado de me casar. Tínhamos uma grana de um apartamento que havíamos comprado num leilão. Um patrimônio de uns R$ 300, 400 mil e crescendo rápido.
Do seu primeiro milhão, quanto você credita ao investimento financeiro e quanto à remuneração do seu trabalho direto?
Bem, tenho de tomar cuidado com essa resposta, porque quando comprei ações a bolsa estava por volta dos 10 mil pontos, eu sabia que ela estava barata, e não fazia ideia de que fosse valorizar tanto em tão pouco tempo. A minha ambição era acumular R$ 1 milhão até os 41 anos – esse era o exemplo que eu usava em sala de aula. Dizia: “Pessoal, imagina um professor que ganhe R$ 3 mil e more com os pais, ele pode poupar metade do que ganha; se conseguir um pouquinho a mais que a renda fixa, aos 41 anos ele estará milionário!”. Esse era eu. Naquela época, comecei a sacar que todos os meus alunos estavam ganhando dinheiro a partir do que aprendiam sobre análise de balanço. Eles abriam a Gazeta Mercantil às oito da manhã, acompanhavam os indicadores das empresas, comparavam o valor delas com o quanto o mercado pagava no balanço das 8h30 e concluíam o que as corretoras publicariam às duas da tarde. Às 10h30 já havia aluno chispando da aula para comprar ações [risos]. Na época havia uma informação muito evidente, que era o humor do mercado depois da vitória do Lula em 2002. “Eles vão comer criancinhas!”, “quem tem dinheiro é melhor fugir para o Uruguai!” etc. Eu estava quietinho, com meu dinheiro do imóvel, quando comecei a reparar no Abílio Diniz, no Antonio Ermírio, no Michel Klein indo à mídia para defender Lula, dizer que estavam juntos, apoiando, que o Palocci iria falar com o FMI e tal. No dia em que Henrique Meirelles foi anunciado como presidente do Banco Central coloquei todo o meu dinheiro na bolsa, sem pensar. Eu, que imaginava ter R$ 1 milhão aos 41, vi o mercado de capitais quadruplicando. Quando apareci na capa da Você S/A [dezembro de 2005] eu estava virando a marca do milhão. Não foi fruto do investimento em si, mas da combinação de uma escolha sensata, pensando a longo prazo, com a situação atípica da conjuntura.
"Eu dizia: 'imagina um professor que ganhe 3 mil reais, more com os pais e poupe metade do salário. Se conseguir um pouquinho mais do que a renda fixa, aos 41 ele estará milionário'. Esse era eu"
E por que você queria ter R$1 milhão até os 41 anos?
Pra parar de trabalhar. Quando comecei a correr atrás desse milhão, eu estava muito incomodado com o meu trabalho. Era gratificante estar em sala de aula, mas para mim só sobravam as piores aulas, as substitutivas, curso no interior do Ceará, cinco horas de avião e quatro de carro... Eu já não era um bom namorado, passava os finais de semana me arrastando. Queria acumular R$ 1 milhão que rendesse R$ 4 mil por mês para tirar um ano sabático, fazer algum curso, montar uma franquia, ser sócio de alguma coisa.
Eu assisti a uma palestra do Reverendo Ricardo Agreste na qual ele dizia algo como “se você decidir priorizar a sua família, garanto que todos os seus amigos workaholics vão enriquecer mais do que você, e é bom que você se acostume com essa ideia”. Você concorda com isso?
Eles vão crescer patrimonialmente. É que “enriquecer” é um conceito relativo. Porque essa pessoa talvez se satisfaça com menos, por estar mais preocupada com o convívio do que com aquilo que ele pode acumular. Isso tá bem claro no conceito de riqueza que está em meus livros: não preciso ter muito mais. Entretanto, pessoas que têm um argumento forte para não estar com a família, querem recompensá-la. E quanto mais trabalho, mais recompensa, daí há um jogo perigoso que se autoalimenta.
E o dinheiro acaba por destruir a família.
Aí é que está, é uma ilusão. Já vi histórias de pessoas que queriam acumular dinheiro para aos 50 anos fazer o caminho de Santiago de Compostela. O cara chega aos 50 anos e descobre que tem medo de avião porque nunca viajou! Então não é só a família, você destrói toda sua vida quando só ambiciona o futuro e não aprende a desfrutar. E para que dinheiro se você não sabe desfrutar?
Como o seu primeiro livro mexeu com sua carreira de professor?
Cara, esse livro foi supermal recebido na academia... Eu tinha meus superiores na Fundação Instituto de Administração, a FIA, que na época era ligada à USP. Escrevi o livro na maior das boas intenções, separei o primeiro exemplar para mim e o segundo levei pessoalmente para o meu superior. “Ah, é seu, Gustavo? Que legal!” [Faz gestos como se folheasse um livro.] Ele olhava, olhava, ia, voltava, lia uns trechos, folheava de novo... ficou uns dez minutos em silêncio, de repente fechou o livro. “Mas o que é isso?”, ele perguntou, nervoso. “Isso é autoajuda! Você acabou um mestrado agora, tá convidado para fazer doutorado e está jogando seu currículo no lixo pra vender autoajuda por R$ 30? Você não pode fazer isso! Manda recolher!” Me sentia como se tivessem me flagrado na cama com outra. Não imaginava que esse passo em minha carreira seria tão ruim. Na verdade, tudo o que eu queria era avisar as pessoas que, em vez de entrar em financiamentos de 18% ao ano, elas deveriam era poupar um dinheiro que em três anos dobraria de valor. Acho que era movido mais pela indignação do que por qualquer sonho de ser escritor.
Você assume o rótulo de autoajuda?
Eu sou tão autoajuda quanto um guia de ruas é autoajuda. É literatura para quem quer buscar soluções sem recorrer diretamente a um profissional. Era o mesmo conteúdo que eu dava em seis ou sete MBAs, mas o livro saiu com historinhas, ilustrações, uma linguagem autoajuda. Tinha o propósito de ser acessível, de ser comprado pelo grande público, tinha uma linguagem vendedora.
Então deve incomodar você ser desvalorizado pela crítica como literatura barata.
É sempre desconfortável estar em situações em que já se chega rotulado e se está sempre contra a parede. Incomoda, como me incomodou ir ao Programa do Jô. Você sabe que quando o Jô não se sente à vontade sobre o assunto passa o tempo desafiando o entrevistado. Na verdade, autoajuda é quase um sinônimo de literatura barata, ruim, sem embasamento, sabedoria copiada de Powerpoints baixados da internet. E, puxa, eu comecei dando aula em MBA... O que eu posso fazer em relação a isso é tentar não ser popularesco. Tive convites para ter colunas em programas de variedades na TV, mas declinei, porque entendi que não iria levar educação financeira para muito mais longe. Não gosto desse mundo de Caras. Apareço quando entendo que posso validar minha teoria.
Como foi que você deixou as aulas?
Logo depois de Dinheiro: Os segredos de quem tem, começaram a surgir convites para palestras não remuneradas. E eu não conseguia atender os pedidos porque tinha uma agenda de aulas muito cheia. Aí aconteceu a grande ruptura em minha carreira porque eu me vi numa crise existencial. Eu havia pedido três meses para o meu mentor, o que me obrigaria a abrir mão do doutorado, e ele não se conformava. “Ficou louco? Tá fumando o quê?” [Risos.] Não me olhava mais nos corredores, eu estava me sentindo muito mal. Daí eu decidi largar tudo e aceitei o convite de um amigo para ser sócio em uma empresa no Canadá. Vendemos tudo e embarcamos sem saber se voltaríamos. Era uma importadora de produtos brasileiros. Era tudo bem amador. Vendemos o suficiente para passar oito meses. Os convites para palestras remuneradas começaram a surgir, o que me despertou para a possibilidade de, finalmente, viver fazendo algo interessante. Foi uma situação muito chata com o meu sócio: “Eu achei que a gente fosse ralar juntos aqui no Canadá, mas você vai ficar rico sozinho no Brasil”, ele disse. Foi muito chato. Nos separamos e eu voltei certo de que havia um trabalho a fazer, e muito certo de que nunca teria um padrão de vida tão bom quanto o dos meus tempos de professor. Talvez aí eu estivesse movido pela primeira vez por um senso de vocação. No final de 2004 a Adriana sustentava a casa praticamente sozinha, tínhamos uma vida supersimples, enquanto eu fazia algumas poucas palestras e preparava meu segundo livro, o Casais inteligentes enriquecem juntos.
Que é seu grande best-seller.
Com 950 mil exemplares vendidos. Esse livro tomou um caminho que eu jamais imaginaria. Eu me sentia um tanto envergonhado porque não sou especialista em relacionamentos nem em discussão de casais. Entretanto, os leitores do Dinheiro criticaram muito dizendo que minha lógica era muito simplista e que não funcionaria na vida de alguém que tivesse um cônjuge perdulário. O foco era o relacionamento. Mas o leitor rapidamente percebe que, da mesma forma como eu disfarçava o assunto de contabilidade em uma roupa de finanças pessoais, dessa vez eu disfarcei o assunto de finanças em uma roupagem relacional.
Esse período sustentado pela esposa mexeu com seu casamento?
Não, não. Na verdade, ela ganhava mais do que eu desde que a gente namorava. Quando casamos, o salário dela era a âncora do nosso orçamento. O meu, de professor, entrava para compras eventuais. Chegamos a fazer terapia de casal, por um tempo, na época em que eu trabalhava demais, na FIA. Ajudou muito, até para o projeto do Casais inteligentes. Mas talvez o melhor que nos aconteceu foi termos passado aqueles oito meses no Canadá, juntos, com o mesmo objetivo. Fez muito bem para o casamento.
Como era a relação do Seu pai com o trabalho e o dinheiro? Algumas das suas decisões me parecem ter raízes muito profundas na forma com que você foi criado.
Uma coisa que eu tinha muito clara no começo da minha carreira é que jamais trabalharia tanto quanto meu pai, a ponto de perder a saúde. Em 2011 ele teve de transplantar o rim por causa de estresse e descuido. Agora ele está bem, rolando com os netos pelo chão. Mas cresci vendo que ele se sacrificava demais para oferecer à família algo que provavelmente não compensaria sua falta. Tive convites muito interessantes na minha carreira. Em um deles, da [empresa alemã de consultoria] Roland Berger, eu cheguei entre os quatro classificados. Assisti a uma minipalestra do vice-presidente na qual ele dizia coisas como: “Vocês vão trabalhar numa noite na Áustria, na seguinte na Bélgica ou em Hong Kong, talvez vejam a família nas férias, no Natal”. Nem esperei o cara terminar. O caminho que encontrei para fugir disso foi ralar e aproveitar ao máximo as oportunidades, poupar enquanto morasse com meus pais, manter hábitos simples, até que conquistasse a independência financeira. Meu objetivo não era ficar rico, era ser independente.
Você tem três filhos pequenos e tem muito dinheiro. Como você lida com o consumismo?
O consumo no Brasil é muito impulsivo. As pessoas estão conquistando espaço na pirâmide social e vivem correndo atrás dessa conquista. Estão trabalhando mais do que deveriam, se dedicando cada vez menos à família, a seus relacionamentos e amizades. Para elas, a aquisição, a compra, é um motivador de felicidade. Mas a felicidade é um estado de espírito, não é um instante. E, como desfrutar é cada vez mais raro, consumimos mais e mais para tentar ter momentos de mais e mais felicidade. Mas acredito no inverso também: quem desfruta mais precisa comprar menos. Se as crianças tivessem menos presentes e os presentes fossem mais desejados e aguardados, talvez fossem desfrutados com mais zelo e por mais tempo. Gostaria que elas entendessem que o trabalho serve não para comprar coisas, mas para proporcionar situações.
“Cresci vendo meu pai sacrificar a saúde para nos dar algo que provavelmente não compensaria a sua falta”
Qual a sua participação no filme Até que a sorte nos separe?
Ele é adaptado do Casais inteligentes. A história é a de um casal que ganha R$ 100 milhões na Mega-Sena da Virada e, dez anos depois, descobre que está quebrado. Parte da graça do filme é explicar por que eles quebraram – porque cada passeio da esposa ao shopping custa R$ 30 mil, por exemplo. A expectativa não era vender muito, mas de repente entrou o melhor produtor, o melhor roteirista, o melhor distribuidor, os melhores atores. Sai dia 12 de outubro, mas o povo está brindando o sucesso desde já.
O que você já viu do filme?
A gravação. O filme está sendo montado ainda. Eu participei de algumas cenas, sem falas, mas pedi para o [diretor] Roberto Santucci para ver na telinha como ficaria no cinema. Tive de cobrir a boca com uma toalha para não atrapalhar o set, de tanto que eu gargalhava.
Um amigo propôs a seguinte questão: se o seu filho pedir 150 mil reais para montar o primeiro negócio ou comprar o primeiro apartamento, em qual situação você teria mais facilidade em dar? Nessa hora eu percebi que eu não tinha tanta cultura empreendedora quanto supunha. O que faria?
Eu não só daria muito facilmente para o primeiro negócio como, se eu tivesse condições de dar os dois, eu o convenceria a não comprar a casa. Sou totalmente contra o fato de que alguém que está construindo a vida, que pode ter vontade de trabalhar no exterior ou em outra cidade, alguém que esteja começando a vida, fique engessado geograficamente. Casa própria é uma grande realização pessoal, mas é uma punição também. O jovem fica medroso. O que eu recomendo aos jovens é que evitem a casa própria, trabalhem muito, que aluguem algo barato, próximo ao trabalho, não comprem carro, viajem, façam cursos, ousem, criem, façam arte. Fiquem soltos, estejam propensos a mudanças. Quanto mais propenso a mudar, mais a gente cresce.
O seu próximo livro já está pronto?
Sim, o título é O segredo dos casais inteligentes. A referência ao livro de 2004 não é acaso nem oportunismo [risos]. É que estamos no ano em que provavelmente ele chegará a 1 milhão de exemplares e ainda tem o filme. O novo livro responde a muitos questionamentos que surgiram no primeiro, como, por exemplo, no caso de casais formados por pessoas que vieram de outros relacionamentos.
Qual foi a maior extravagância que você já fez?
Foram duas situações envolvendo viagens. A primeira foi uma viagem a Daytona, nos Estados Unidos, na qual levei meu pai para assistir a uma corrida de Nascar. Caríssima, decidimos de última hora, foi mesmo algo extravagante. Mas houve outra viagem, uma celebração em 2010, no primeiro aniversário da minha filha do meio. Era uma semana muito especial porque eu faço aniversário no mesmo dia em que eu e a Adriana fazemos aniversário de namoro e dois dias antes do nosso aniversário de casamento. Estávamos com um casal de compadres na Flórida, iríamos à Disney, mas eu queria marcar aquela data com minha esposa. Procurei um motorista que conheci nos Estados Unidos, ele me ajudou a preparar uma celebração inesquecível na Flórida. Aluguei duas limusines, uma branca para levar minha filha ao jantar de aniversário dela, cheia de bichinhos, com minha família e os compadres dentro. Dois dias depois, de surpresa, outra limusine, preta, cheia de flores, veio nos buscar para um jantar num restaurante superexclusivo e lá dei o anel, que comprei nos Estados Unidos. E tudo junto custou menos do que o anel custaria no Brasil. Quer dizer, foi extravagante, mas foi muito inteligente do ponto de vista financeiro.
E seu último gesto de generosidade?
Ajudo as pessoas próximas, não gosto de propagandear. Mas assumi o ano escolar dos quatro filhos de uma pessoa próxima à nossa família cujo negócio faliu, por exemplo. Paguei a reforma da casa de um familiar. Banquei uma parte da cirurgia da filhinha de uma amiga da prima da minha esposa. Dei uma palestra para arrecadar fundos para crianças com câncer em Curitiba. Prefiro ter a gratidão de alguém com quem eu divido um guaraná a usar a generosidade como forma de marketing.