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O que é isso, Brother?

por Nataly Cabanas
Trip #197

Subimos a serra de Petrópolis para encontrar o desaparecido membro de Hermes e Renato

Milhões conhecem Gil Brother. Mas poucos sabem onde ele foi parar depois que sumiu da TV há dois anos. A Trip descobriu que o popular Away de Petrópolis voltou à vida humilde em sua cidade. Mas o motivo ainda é uma história muito mal contada...

Jaime Gil da Costa não leva a alcunha de pia consigo quando anda por aí. Gil Brother, é o nome. Ou pode ser chamado, como por seis anos foi na MTV, pela combinação de seu grito de guerra (Awayyyy!) somado à sua cidade natal, Petrópolis. Logo: Away de Petrópolis. Eis como o leitor que aprecia um bem construído escracho televisivo se recorda de nosso personagem. Mas é um tipo de celebridade, como tudo nele, muito peculiar. Pois embora milhões o conheçam, quase ninguém sabe algo mais sobre ele. Por isso mesmo ficou sumido depois que, sem qualquer satisfação, abandonou o showbiz há dois anos deixando apenas um rastro de boatos sobre os motivos de sua partida.

Mesmo depois de seis anos na TV, e zilhões de views no youtube, não há um email, um assessor, um telefone, um endereço, um mísero amigo para achá-lo. A única forma de descobrir qualquer coisa sobre Gil Brother é subir a Serra da Estrela, dirigir até Petrópolis e perguntar na rua por pistas do ilustre filho da cidade. Foi assim que chegamos à frente de uma humilde casa no bairro do Itamarati e gritamos: Awayyyy! Que na hora foi respondido com um estridente, e inconfundível, “Awayyyy” do lado de lá.

Aos leigos: Gil Brother é o gênio que vociferou desbocadas verborragias em quadros do extinto Hermes e Renato, na MTV, de 2002 a 2008. E produziu com seu estilo de poucas estribeiras alguns dos melhores momentos que aquele grupo de jovens humoristas levou ao ar. E o motivo pouco tinha a ver com roteiros ou sutilezas cômicas. Pouco importava, inclusive, quem, ou se, estava interpretando. Era sua naturalíssima capacidade de improviso, a flagorosa inadequação de sua figura e dicção, e seus rompantes de gírias e palavrões que faziam de cada esquete seu uma espécie de solo.

Street fighter

Filho de uma família pobre de Petrópolis, Gil chegou a passar parte de sua juventude na roça, com sua avó, no interior do Estado. “Plantava mandioca, legumes, verduras, alimentos. Cuidava dos cabrito, essas coisa. Era ruim demais”, lembra sem saudade. Quando voltou à Petrópolis, encontrou seu lugar. Os “bailões da pesada”, onde escutava James Brown (“85% da música mundial segue sua estrada”) e uma longa lista de astros do funk e do soul (“Minha base é norte-americana, sacou?”). Lá aprendeu a dançar, e dançar muito. Os mesmos passos que usava para ganhar um troco em shows de rua e, depois, arrepiando na TV e no palco do VMB (“Apresentei um prêmio com o Marilyn Manson! Ele se amarrou em mim”).

Esse carisma, capaz de conquistar Marilyn Manson, foi o que iluminou alguns dos, então iniciantes na TV, rapazes do Hermes e Renato. Conhecidos de Gil Brother desde a infância, convidaram o então lavador de carros e dançarino de rua de Petrópolis para uma participação pequena em um vídeo para a MTV. O look mezzo mendigo, mezzo astro do reggae funcionou. Tanto que logo foi se tornando parte da trupe. No ano seguinte já gastava boa parte do ano morando em São Paulo, com os moleques do Hermes e Renato, em uma casa no bairro de Perdizes. Hoje, acomodado em um surrado sofá, cercado por quatro paredes forradas de capas de disco e recortes de revista de astros do soul, funk, rock, surfistas e do Papa João Paulo II, ele nos recebe empolgadíssimo. A casa é sua única posse, herança da mãe falecida há muitos anos.

Mesmo quase cego, reconhece a Trip que pega nas mãos. “É aqui que sai as pessoa sensual, né? É uma revista muito linda”, elogia. Seu tom é exatamente o mesmo que se via na TV, quando interpretava um professor de direito, um mendigo ou um traficante de drogas. E logo começa a contar, subindo cada vez mais o tom da voz e das acusações, o que aconteceu com ele até o desfecho fatídico quando abandonou uma gravação e voltou para Petrópolis de mãos abanando.

Sem leite com pera

“Eu era tratado como lixo! Pior que um cachorro!”, ele jura. E emenda horas de causos e mágoas que explicam o motivo que, depois de seis anos, o fez desistir. “Cansei de humilhação. Eu estava trabalhando como clandestino, não tinha contrato, cartão de banco, nem contracheque, trabalhava por merreca”. E conta causos sobre como precisava comer na cozinha, dormir em um quarto de empregada fétido, de como o isolavam na mesa do almoço e faz um longo discurso sobre quando o excluíram do plano de saúde que os caras do Hermes e Renato fizeram para o grupo. “Diziam que eu tinha que usar o SUS mesmo”, alegando que, no fim das contas, era vítima de preconceito.

Acusações graves, que faz o mais objetivo dos repórteres se indignar. Mas o caso é que durante sua narrativa, muitas coisas parecem não se encaixar na cronologia – e na realidade, simplesmente. Gil diz que a última cena que gravou foi como o professor Gil, no já clássico quadro em que ele dá um esporro em um aluno acusando o dito-cujo de ser criado à base de “leite com pera e ovomaltino!” (sic). Mas a tal cena foi gravada no meio da novela Sinhá Boça, e depois disso muitos quadros com Gil Brother foram ao ar. Pelo que conseguimos apurar, o Awayyy! dele na MTV foi quando apresentava A Cozinha de Away, depois de preparar o inesquecível “estrombelete de pombo obeso”.

“Abandonei a embriaguez do sucesso e voltei para a vida em preto e branco”, Gil Brother

Tinha 52 anos quando decidiu abandonar seu grupo, a “embriaguez do sucesso e voltei para a vida em preto e branco” – resume com poesia a sua rotina. Não lava mais carros, como antes, nem faz seus shows de rua, quando passava horas dublando James Brown e Rolling Stones na praça. Todo seu dinheiro vem “da caridade de quem me detesta”, explica citando Cazuza. A caridade que, de modo estranho, tenta despertar na reportagem da Trip, pedindo dinheiro em troca de seu depoimento.

Mas diga uma coisa, Gil: você não ganhava nada durantes esses seis anos? “Só me davam o dinheiro da passagem e uns panos velhos”. E você nunca pediu dinheiro, nunca falou sobre isso com o pessoal? “Eu esperava que uma hora eu fosse me dar bem, que eles iam me dar algum, entendeu? E tem mais! Se eu pedisse dinheiro eu podia me dar mal! Eles iam encher minha mochila de drogas e me jogar do alto do prédio da MTV”, acusa sem medir as palavras... E agora, Gil, você não está processando eles, cobrar na justiça o que te devem? Ele garante: “Não! Deixa pra lá. Não estou a fim de me meter com justiça, Deus vai dar a eles o que merecem. Aqui se faz, aqui se paga. Eu não ligo pra dinheiro, tô numa boa”. Uma história bem mal contada em uma nada bem-sucedida combinação de malandragem e ingenuidade.

O processo é lento

Checando sua versão, Trip descobriu que dois dias antes da entrevista com Gil Brother, ele estava em uma audiência judicial no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo para o que pode ter sido a última etapa da ação que move desde 2009 contra seus ex-colegas e a Abril Radiodifusão, dona da MTV no Brasil. E em seu processo, Gil não pede os salários que, segundo ele, nunca foram pagos. Ele cobra direitos de imagem e danos morais. E quanto à acusação de maus tratos, falta de pagamento e desdém por sua saúde, procuramos seus ex-colegas.

Monika Cavalera era empresária do grupo durante boa parte da trajetória deles na MTV. E não concorda com o que diz Gil Brother. “Ele era tratado normalmente por todos. E quando precisou de atendimento médico, os meninos pagaram hospital particular do próprio bolso.” Ela se refere a uma cirurgia que Gil sofreu no olho direito, o único que ainda funciona, quando houve um descolamento parcial de retina. O mesmo olho que, durante nossa entrevista, Gil afirma funcionar perfeitamente hoje... Monika também duvida da versão de que ele não viu a cor do dinheiro em seus anos de TV: “Eu tenho certeza de que ele recebia”, e completa, jogando a bola para outro colega, “O Filipinho era tipo o pai dele. Andava com ele pra cima e pra baixo”.

“Pra mim o que fica dessa história é um sentimento de ingratidão da parte dele, e de pena também... Mas eu tenho o coração aberto e sei perdoar”, diz Filipinho (o Boça)

Filipinho, ou Filipe Fagundes Torres (que deu vida ao paulistaníssimo de imensas fossas nasais, o Boça ), foi quem primeiro propôs a Gil Brother uma participação no programa. E se lembra de quando conheceu o street star, muito antes da fama: “O Gil e eu fomos criados no mesmo bairro, ele era amigo de infância do meu pai, e isso já vinha desde o meu avô que era bananeiro, e o Gil sempre pegava umas bananas com ele”, conta. E dá sua versão sobre o que aconteceu na confusa relação profissional entre eles. “Era um amigo, então nunca tivemos um pé atrás com o Gil, por isso nunca pensamos em oficializar nada. Mas ele sempre recebia.” E, tristemente conclui: “Pra mim o que fica dessa história é um sentimento de ingratidão da parte dele, e de pena também... Mas eu tenho o coração aberto e sei perdoar.”

Outro que foi escutado pela Trip, Fausto Fanti (que interpretava o “Renato” e memoráveis personagens como Cláudio Ricardo e o Padre Gato) fica chateado de ter que falar sobre isso. Prefere não encontrar a reportagem ao vivo – nem soltar veneno contra Gil Brother. “O Gil é um cara muito parecido com a gente, temos uma afinidade muito grande. Para mim é muito doloroso saber que ele tá movendo um processo contra a gente. A gente fazia o que podia e o Gil era tratado como um de nós. Acho que ele poderia até ter vindo com a gente para a Record”.

Todos confirmam outra história que Gil conta. De quando os rapazes do Hermes e Renato foram a Petrópolis e bateram na porta dele, surpresos com sua súbita “fuga” e pediram que voltasse. Gil os mandou embora, se dizendo cansado deles. “Eu abandonei eles e agora eles não tem nada! A gente estava pronto pra filmar nos EUA, no estado do Oregon! Na Lousiana! Pensivânia e Nova York...”, ele conta em um misto de raiva e prazer, “hoje ele não são mais nada!”

Na verdade nunca houve um longa a ser filmado nos EUA. E na verdade hoje eles estão na Record, parte do elenco do programa Legendários, de Marcos Mion. Certamente ganham mais do que nos tempos de MTV, e admitem terem muito mais estrutura. Também trocaram o nome para um escolhido pelo público. De Hermes e Renato se tornaram Banana Mecânica. Mas algo se perdeu no caminho além da presença do Away de Petrópolis. Por trás de uma estranha, e desncessária, cortina de fantasias, Gil Brother acaba revelando uma mágoa verdadeira com o que aconteceu. Inventado, ou apenas baseado em fatos reais, é um trauma que Gil Brother resolveu assumir como parte fundamental de sua vida. Seja lá qual for o resultado do processo (a ser decidido nos próximos meses) restam pouquíssimas certezas nessa história sem graça de um dos mais originais e hilariantes grupos de humor no Brasil. A maior delas: a de que o saldo de tudo isso foi o desperdício de um grande talento e de uma amizade muito peculiar. Como tudo neles.

Colaborou Anabelle Custodio

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