Lobo do Canindé

por Luiz Guedes
Trip #196

Camilo Christófaro depenou um Chevrolet 1937 para construir seu próprio carro de corrida

Camilo Christófaro não nasceu em família abastada, como a de Ayrton Senna ou a de Nelson Piquet. Pelo contrário: de origem humilde, foi abandonado pela mãe ainda criança e teve de se virar até possuir a sua oficina mecânica. Tampouco guiou para equipes de fábrica, cujos carros são projetados por um time de designers e engenheiros. Em vez disso, teve de quebrar a cabeça para construir seu próprio bólido de competição. Apesar de todas as adversidades e dos limites que a vida insistia em lhe impor, consagrou-se o maior piloto brasileiro de sua geração.

Foi ao volante da famosa Carretera número 18 que Christófaro superou limites e adversários, conquistou incontáveis vitórias e estabeleceu recordes de velocidade em avenidas e rodovias nas décadas de 50 e 60, na “fase romântica” do nosso automobilismo. Numa de suas mais emblemáticas vitórias, nas Mil Milhas Brasileiras de 1966, ultrapassou um tal de Emerson Fittipaldi na última volta, levantando a torcida que lotava as arquibancadas do autódromo de Interlagos.

Ídolo de uma geração, Christófaro foi o herói de um bairro inteiro, já que os moradores do Canindé (onde o piloto nasceu e morou até morrer, em 1995) compareciam em peso em Interlagos para torcer pelo vizinho célebre.

Atualmente em desuso, o termo Carretera era adotado nos anos 50 para designar os carros de corrida construídos a partir de modelos de rua. Verdadeiras “cadeiras elétricas” – se analisadas pela ótica da segurança atual –, recebiam motores capazes de despejar até 400 cv no asfalto.

Frankenstein
Para construir a sua versão, Christófaro depenou um Chevrolet 1937, nada menos do que o automóvel de uso da família na ocasião. “Usávamos esse carro para passear, fazer compras e pegar a estrada. Foi com ele que meus pais viajaram em lua de mel”, narra Wilma Christófaro Galli, 44 anos, filha caçula do ex-piloto e atual guardiã da famosa Carretera (foto).

Após desfigurar a carroceria, tarefa executada com esmero nas dependências da oficina, no bairro do Canindé, o engenhoso piloto-mecânico ainda transplantou para o velho Chevrolet pneus traseiros de Fórmula Indy e um poderoso motor V8 de Corvette.

Segundo Wilma, o pai chegou a receber convites com propostas de apoio para uma possível carreira internacional, mas o apego à família jamais o deixou aceitar. “Ele era muito ligado à esposa e aos filhos”, diz. “O número 18, por exemplo, se deve à data de aniversário da minha mãe, enquanto a figura do lobo estampada na carroceria da Carretera é um agrado para o meu irmão, que gostava de ler gibis com o personagem”, narra a filha, decifrando a origem do apelido que marcou a vitoriosa carreira de Camilo Christófaro: Lobo do Canindé.

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