por Caio Ferretti
Trip #191

O Big Rider Greg Noll veio ao Brasil para celebrar uma vida dedicada ao surf

Lenda das ondas grandes, pioneiro em Waimea e dono de uma linha de concorridas pranchas retrô, Greg Noll veio ao Brasil para celebrar uma vida dedicada ao surf

Sentado em sua prancha, Greg Noll viu a série de ondas crescer no horizonte de Makaha. Estava sozinho no mar, nenhum outro surfista tivera coragem de encarar o swell que entrava no Havaí naquele inverno de 1969. Mas isso pouco importava, ele nem cogitava perder aquela chance. Quando a série se aproximou, Greg sentiu a dimensão do que estava por vir. Reparou que as gotas de água em cima de sua prancha começaram a tremer. Seguiu em frente e, na remada, entrou em uma das ondas mais épicas da história do surf.

Não há registro fotográfico da façanha, mas quem viu tudo da areia tratou de colocar o feito na história. Por esse dia, e pela ousadia de se jogar nas enormes ondas de North Shore quando ninguém fazia isso, Greg Noll passou a ser considerado uma lenda viva do esporte. Com esse crédito, foi um dos personagens centrais do documentário de surf Riding Giants, de Stacy Peralta, que mostra os principais surfistas de ondas grandes do Havaí. A partir daí passou a ser chamado de “tio Greg” pelos outros big riders, como ele mesmo se gabou durante a conversa com a Trip no Festivalma Surf deste ano.

Mas ser um grande nome do surf não fazia parte dos planos de Greg quando ele comprou sua primeira prancha, no fim da década de 40, por US$ 15. “Eu morava em Manhattan Beach, na Califórnia, e só queria um motivo pra me juntar com os caras que surfavam por ali para me divertir e fazer festas. A escola não me oferecia isso.” E também não oferecia viagens ao Havaí, o que Greg começou a fazer quando ainda tinha 15 anos. “Fizemos algumas trips para o North Shore e não tinha absolutamente nada por lá. Nenhuma prancha, nada. Nos tornamos os primeiros caras por ali a focar só no surf o dia todo. Os moradores não acreditavam.” As idas ao Havaí se tornaram frequentes. Greg passava meses por lá durante as melhores temporadas de ondas da ilha. E assim continuava a explorar novos picos. “Fui um dos primeiros caras a surfar Waimea. Antes era sempre Sunset, a gente só olhava pra Waimea. E um dia, dois anos depois, decidi cair na água.”

Surf para sempre

Para bancar as idas e vindas entre a Califórnia e o Havaí Greg aprendeu a fazer pranchas. “Fazia dez por semana, mas quando a coisa explodiu, nos anos 60, chegamos a fazer até 150 por semana. Às vezes eu deixava uma turma na madrugada para finalizar as pranchas e quando chegava de manhã estavam todas bizarras... os caras tomavam LSD de noite e iam shapear.” Mas era o suficiente para sustentar seus caprichos. Aliás, é até hoje. Apesar de seus 73 anos de idade não permitirem que ele ainda surfe, Greg alimenta seu cofre com pranchas retrô que levam seu nome e enfeitam paredes de pessoas dispostas a pagar milhares de reais por um exemplar. Uma prova de que ele levou a sério o que planejou para sua vida quando surfou sua primeira onda: “Decidi que viveria do surf para sempre”.

Nada além de surfar

Caio Ferretti e Diogo Rodriguez

Quantos anos tinha quando pegou a primeira onda?
Tinha nove anos. Na praia de Manhattan, no sul da Califórnia, tinha uns caras da pesada surfando em tábuas.de redwood. Decidi que tinha de fazer aquilo. Perguntei para um desses se caras onde poderia conseguir uma prancha. Me venderam um por quinze dólares e eu passei o verão todo na praia. A prancha pesava 75 pounds, eu pesava 60. Bem, eu já sabia naquele primeiro verão que era aquilo que queria fazer da vida. Surfar, ir até à ilha [o Havaí], correr atrás das moças e me dar bem o máximo possível. Era para isso que ligava na vida. Lembro do diretor da escola me arrastando para sua sala. Naquela época, não havia nenhum garoto surfando no sul da Califórnia . [O diretor disse] "O que há de errado com vocês? Não ligam para nada além de surfar". Eu respondi: "É isso mesmo". Não sei como é aqui, mas lá você faz algum esporte, é um bom garoto, te dão uma carta de recomendação, as garotas gritam nas arquibancadas por causa dos jogadores de basquete. E tinha eu e o Bing Copeland e outros caras que não davam a mínima para isso. Eles não entendiam isso. Agora as escolas tem até equipe de surf.

Você aprendeu olhando?
Sim, é assim que se faz.

Quantos anos você tinha quando pegou sua primeira onda grande?
Fui o primeiro cara a pegar uma onda em Waimea. Nós estávamos de olho há uns dois anos, então eu devia ter uns 18 anos. Eu acordo, me olho no espelho e vejo esse velho desgraçado me olhando. Não consigo entender o que aconteceu com o tempo. É difícil lembrar, mas devia ter uns 17 quando peguei minha primeira onda em Waimea. Eu ficava sempre em Sunset, era o pico. Finalmente resolvi pegar minha prancha, fui para lá, peguei uma onda. Vi um monte de caras remando de volta e o resto virou história. Todas as lojas ficaram vazias porque as pessoas ficaram assistindo aqueles howlies loucos cometerem suicídio. Naquela época, eles achavam que Waimea era mal-assombrada. Tinha uma casa antiga na qual alguém tinha se suicidado ou matado alguém. Uns dois anos antes, uns caras tentaram entrar lá remando por Sunset. No Havapi, em questão de horas, o mar explode e as ondas ficam enormes. Eles não conseguiram voltar. Um se perdeu, nunca acharam o corpo, e outro chegou até a praia se arrastando. Ninguém tinha coragem de brincar ali. Até que começamos a surfar lá.

Quando você resolveu surfar ondas grandes?
Fui para o Havaí quando tinha 15 anos com dois caras, alugamos uma cabana por 25 dólares ao mês, comíamos aveia e pescávamos. Passei o inverno lá. Naquele ano, fomos duas vezes até North Shore e nada acontecia lá. Fomos lá muitas vezes e não havia nenhum outro carro, nenhuma prancha. Eu já sabia que as ilhas seriam o meu foco. No ano seguinte, fomos direto para North Shore, alugamos uma casa e fomos os primeiros a morar lá., só surfando todos os dias. Foi uma viagem. Os locais não acreditavam.

O que você fazia para sobreviver?
Nada. Coisa nenhuma. Lembro de ter passado um mês inteiro com 25 dólares, comendo aveia, roubando abacaxis e comendo coco. E peixe, comíamos muito peixe. Mais tarde na minha vida, eu era salva-vidas, guardava dinheiro e ia até lá durante o inverno. Eu ia até o escritório da seguridade social para procurar emprego e dizia que era um mergulhador profissonal especializado em haliote [um molusco]. Mas não haviam haliotes no Havaí e eu ganhava dinheiro do seguro-desemprego.

Chegou a morar no Havaí?
Não, porque uma vez que eu comecei a surfar ondas grandes, eu tinha que me afastar delas para manter o desejo por fazer isso. É como morar em um lugar lindo. Depois de um tempo, você se acostuma. Se você está nesse ambiente o tempo todo, você não tem tanta vontade de fazer. Eu voltava para o continente para fazer pranchas e passava quatro meses lá, durante o inverno.

Já participava de campeonatos?

Para a maioria dos caras com quem cresci, os campeonatos são uma parte ruim do surf. E ainda são. Caras como o Kelly [Slater] e outros de alto nível, se eles conseguem surfar num campeonato, ganhar dinheiro por apoiar marcas de roupa, sem ter que ficar num emprego de merda, ótimo para eles. Para a maioria dos surfistas, a partir do momento em que você coloca dinheiro, câmeras de TV, isso rouba a essência do surf Lembro quando aconteceu o primeiro campeonato em North Shore. O pessoal estava surfando, se divertindo e, de repente, chegam helicópteros e toda a merda que vem junto. Aí vem o dinheiro e algo se perde.

Como era sua primeira prancha?
Era uma prancha velha de pau-de-balsa que eu comprei de uns caras. Depois da guerra, havia botes sobrando, feitos dessa madeira. Pegavam a madeira deles e prensavam para fazer a prancha.

Tem um vídeo antigo em que você aparece prensando madeira para fazer uma prancha.
Essa é outra coisa. Mas aquela madeira era pau-de-balsa também. Eu fazia dez pranchas por semana naquela época e devia ter 18 anos. O progresso das pranchas começou com pau-brasil e o pau-de-balsa. Não existia fibra de vidro. Depois disso, vieram as pranchas ocas. Foi numa dessas que comecei a surfar. Nessa época, um cara esperto chamado Bob Simmons apareceu. Ele foi quem misturou a fibra de vidro com o pau-de-balsa, ele era da indústria aeronáutica. De repente, o peso da prancha diminui e o surf deu um grande salto à frente. Foi como passar da carroça puxada por cavalos ao automóvel.

Qual foi sua maior onda?
Em Makaha, 1969.

Dizem que é a maior da história.
Isso não é verdade. Os caras jovens pegam ondas maiores agora. Eles têm jet-skis e tudo isso. Fico envergonhado quando comparam essa onda com o que os jovens estão fazendo hoje. Naquele tempo não tínhamos helicópteros, jet-skis. Você estava sozinho e ninguém ia te ajudar. Era uma situação amedrontadora. Ela tinha pelo menos dez pés a mais do qualquer outra que eu já surfei.

Que tamanho tinha?
Não sei. Era grande. Era tão grande que me lembro de estar sentado na prancha esperando uma série . A série entrou, não remei. A água na minha prancha estava balançando. Não conseguia acreditar. Era grande, assustadora e eu estava sozinho. Todos os outros tinham saído. Eu não sei no que diabos eu estava pensando. Fiquei 25 anos tentando pegar a maior onda que conseguisse. Havia competição entre os caras, amigos próximos. Você queria terminar o dia dizendo que pegou a maior onda. Aí veio essa onda enorme e fiquei pensando se era isso o que eu deveria fazer. A única coisa que consegui concluir foi que se eu deixasse passar eu seria um homem de 80 anos batendo minha bengala no chão, nunca me perdoaria por deixar a oportunidade passar. Isso foi o que mais me motivou. "Você pediu por isso por tanto tempo, o que vai fazer agora, seu idiota?".


Existe uma história que diz que você parou de surfar depois dessa onda. É verdade?
Não. Escrevi um livro e expliquei que o que aconteceu foi que a pressão não existia mais. Um big rider sofre muita pressão para ir bem, que não necessariamente vem dos outros, mas de você mesmo. Naquele dia, quando fui dormir, me senti como se tivesse dado uma bela cagada [risos]. Toda a pressão tinha ido embora, eu não tinha mais que fazer aquilo. Continuei a surfar por mais dez anos, mas não precisaria de terapia se não pegasse a maior onda do dia. Completei um ciclo. Hoje sou um velhote, mas se eu não pelo menos olhar para ver como está o surf todos os dias, não me sinto bem. Isso é esquisito. Se o mar está do caralho, com ondas boas, você se sente bem. Se está nublado, chovendo, eu chuto o cachorro.

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