Ronaldo Lemos explica porque nesta eleição seu voto será para Marina Silva
Ande pelas ruas de uma grande cidade brasileira. Impossível não notar a sinfonia de ruídos. Carros e ônibus são exemplos óbvios. Além deles, britadeiras, máquinas pesadas, marteladas, demolições e construções de toda sorte. É o som do desenvolvimento. Barulho que domina não só o espaço público, como também invade o espaço privado. Não é preciso sair de casa para perceber como o ambiente sonoro doméstico também se deteriora no processo.
Em 1908, o filósofo alemão Theodor Lessing lançou um dos primeiros manifestos contra o barulho (antes mesmo de os carros tomarem as ruas) no texto chamado "O ruído". Segundo ele, o barulho destrói a criatividade. "É a forma mais primitiva de ensurdecer a consciência", enquanto o silêncio "é símbolo da sabedoria e da justiça". Se Lessing vivesse hoje no Rio ou em São Paulo, sua consciência já estaria emudecida. E provavelmente usaria palavras menos poéticas para descrever o problema.
É paradoxal que uma sociedade que caminha para se tornar cada vez mais baseada na informação tenha de conviver com níveis cada vez mais incontroláveis de barulho. Uma das formas de pensar a questão é enxergando-a como desafio para o design. O som muitas vezes é visto como um problema secundário nesse campo. Por conta disso, o compositor e ambientalista canadense Murray Schaeffer costuma dizer que, quando um produto é desenhado, deveria levar em consideração não só sua aparência e funcionalidade, mas também seu impacto sonoro. Quanto barulho produz um carro, do motor à porta quando bate? Que nível de ruído uma construção vai espalhar pelo espaço público? São questões negligenciadas. O resultado é a paisagem sonora trágica das cidades brasileiras.
NÃO À SURDEZ
Ruídos são um tipo perverso de poluição. São invisíveis, mas são um resíduo como outro qualquer, resultado de ineficiência, de falta de planejamento e design. Da mesma forma que lixo, fumaça ou esgoto, o barulho gera o que os economistas chamam de "externalidades negativas": espalham danos para todos, diminuindo o bem-estar e o valor da vida urbana. Quando isso acontece, o caminho é mudanças na lei. O Brasil avançou muito em termos de legislação ambiental nos últimos anos, passando a prever tanto a punição quanto o ressarcimento dos danos causados pelos vários tipos de poluição. Com uma exceção: a poluição sonora. O artigo que tratava dela foi expressamente vetado da lei de crimes ambientais em 1998 por FHC.
Estou falando disso nesta coluna porque acredito que é possível pensar em um modelo de desenvolvimento mais inteligente, que não tenha medo da inovação e que aceite o desafio de enfrentar com ferramentas de design seus efeitos colaterais, aqui e agora. Essa é uma das razões pelas quais meu voto nesta eleição é para Marina Silva. Como diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, desenvolvimento não deve levar à obesidade. Nem à surdez.
*Ronaldo Lemos, 33, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br