Chupa Chups Musical

por Ronaldo Lemos
Trip #187

A música “El Celular” foi o hit do Carnaval de Barranquilla e é cópia da “Alô, tô num bar”

Fui recentemente à Colômbia. Impossível não lembrar da imagem do país flagelado por cartéis da droga, lavagem de dinheiro e sequestros das Farc. Imagem que cobra seu preço até hoje. Por exemplo, para trocar dinheiro, é preciso deixar a impressão digital em cada casa de câmbio.

Apesar disso, a antiga imagem não é mais realidade. Há muitos relatos sobre o renascimento das cidades colombianas, com a contenção de criminalidade e a volta da ocupação das ruas. Mas foi preciso andar sozinho pelas ruas desertas de Bogotá à noite para a ficha cair. Bogotá é hoje uma cidade tranquila, que se destaca pelas ciclovias (deixando o Rio muito atrás) tomadas por jovens. Essa reconquista urbana, que abrange também Medellín, deveria servir de inspiração obrigatória para pensar a segurança no Brasil.

Champeta e picós

Mas tão interessante foi ver de perto a cena musical em ação. O assunto do momento era a dupla El Temible Zaa & El Yao, que estourou no país com o hit de champeta “El Celular”. A champeta é uma cena muito popular em Cartagena e Barranquilla, parte atlântica e negra do país. Tal como o tecnobrega, o modelo de negócios da champeta é diferente da indústria tradicional: uso intensivo de tecnologia, camelôs, celulares e internet são a principal forma de divulgação das músicas e tudo gira em torno dos picós (pickups), que organizam festas e shows.

Bichinha arrumada
A música “El Celular” foi o grande hit do Carnaval de Barranquilla deste ano (levando Zaa e Yao ao sucesso nacional). Só tem um problema. Ela é uma cópia da música “Alô, tô num bar”, popularizada pelos Aviões do Forró e composta pela dupla Eric & Matheus. Os colombianos estão agora sendo pressionados para pagar uma boa indenização. Perguntados sobre a “coincidência”, eles disseram o seguinte: “Ouvimos a música e resolvemos transformá-la em champeta. Plágio é quando alguém quer roubar outra pessoa. Nós simplesmente fizemos uma cover, como muitos já fizeram”.

Pelo menos a última alegação procede. Em pesquisa rápida no YouTube, dá para ver que a música “Alô, tô num bar” é interpretada por uma infinidade de artistas (Tchê Guri, Heryck & Diogo, Luan Santana, Tchê Sarandeio, Furacão do Forró, Edu e Evandro, Bichinha Arrumada e muitos outros). Será que todos estão também sendo procurados para pagar indenização? Ou os “hermanos” colombianos acabaram vítimas do próprio sucesso?

De qualquer forma o caso dá muito o que pensar. Primeiro, como as periferias globais estão conectadas (tudo indica que o próprio plágio foi descoberto também pelo YouTube). Segundo, como a cultura que emerge das periferias globais é essencialmente de remix, de apropriação e reapropriação, com influências mútuas. Várias bandas brasileiras fizeram sucesso criando suas versões para sucessos latinos, muitas vezes sem crédito ao original. Quando o direito autoral é chamado para resolver a questão, na maioria das vezes o nó mais se complica do que se resolve. Por ora, vale parar e ouvir a música “El Celular” e imaginar quanta gente não pulou com essa champeta mestiça no Carnaval de Barranquilla.

*Ronaldo Lemos, 33, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

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