Titãs do esporte
Eles ousaram se preocupar mais com diversão e realização pessoal do que com títulos ou fama. Talvez por isso tenham se tornado ícones. Trip estava lá para contar cada etapa épica desta história
CARLOS BURLE
Carlos Burle tinha 30 anos quando foi campeão mundial de ondas grandes, em 1998. Foi na Baía de Todos os Santos, México, que o big rider pernambucano deixou para trás nomes do Olimpo do surf, como Brock Little e Mike Parsons. Burle, que teve seu batismo nas águas do Recife, desde o começo da década de 90 já era um dos surfistas mais respeitados do Brasil, desafiando as águas do Havaí e de outros picos de ondas cada vez maiores. Começou no tow-in quando o esporte estava apenas engatinhando e, com o parceiro Eraldo Gueiros, dropou algumas das maiores paredes de água do mundo. Em 2013, pegou uma das maiores ondas já registradas, em Portugal. “Ao mesmo tempo que dá o maior medo, a maior adrenalina, depois, dá o maior prazer. Quanto maior o desafio, maior o prazer”, disse Burle à Trip em 1998. No fim do mês passado, o surfista ficou em quarto lugar no campeonato de ondas grandes de Puerto Escondido, no
México – aos 48 anos.
PROFESSOR HERMÓGENES
José Hermógenes de Andrade Filho (1921-2015) usou a ioga para salvar-se de uma tuberculose quase fatal. Mais conhecido simplesmente como professor Hermógenes, o ex-militar escreveu 30 livros sobre o tema e fez uma pequena revolução na forma de pensar o corpo no Brasil. Seu primeiro volume, Autoperfeição com Hatha Yoga, foi publicado em 1960 e virou clássico: já está na 55ª edição. Dois anos depois, inaugurou sua academia no centro do Rio de Janeiro. “Ninguém falava em ioga. Me sentia sozinho naquela aventura maravilhosa”, ele disse à Trip em 2007, ainda na ativa aos 85 anos. “Ioga é um estilo de vida – liberto, feliz, sadio. É a dedicação total da vida. Neste momento estou te amando, estou agradecendo a Deus sem palavras a beleza daquelas árvores, do Pão de Açúcar, daquela andorinha ali.” Hermógenes, que morreu ano passado aos 95, foi homenageado pelo Trip Transformadores em 2008.
FORMIGA
Dentista por formação, Luís Roberto Formiga tem se dedicado, desde que enfrentou ainda criança as ondas do balneário Flórida, no litoral paulista, a experimentar todo tipo de adrenalina. “A minha forma de resolver problemas é subir numa prancha em alta velocidade, com medo de morrer”, disse ele à Trip em 2005, quando estava colocando surfar Jaws na longa lista que inclui ser campeão de skate, bater recordes na asa-delta e acompanhar o nascimento de esportes como skysurf e wingsuit. Das dezenas e dezenas de páginas da revista que foram dedicadas às aventuras de Formiga, uma reportagem em especial ficou marcada: quando ele saltou de skysurf sobre São Paulo, em 1996. “O projeto Skysurf na Metrópole continua fabuloso. Nunca foi repetido em lugar nenhum do mundo. Me arrepia até hoje e sentirei o frio na barriga pro resto da vida ao olhar esta foto”, diz, sobre a imagem acima. Formiga está no ar com o programa Planadores, sobre voo a vela, no Canal Off.
BOB BURNQUIST
Foi no half-pipe do Ultra Skate Park, na zona sul de São Paulo, em 1987, que Bob Burnquist estreou de verdade seu presente de aniversário de 11 anos, um skate. Deu de cara no chão, duas vezes. Mas decidiu, ali, que iria domar aquele drop. Domou muitos outros. Em 2001, foi o primeiro brasileiro a ganhar o X-Games, e voltou a levar várias medalhas de ouro para casa ao longo dos últimos 15 anos. Virou piloto, começou a saltar de paraquedas e, em 2006, em um dos feitos mais impressionantes já registrados no esporte mundial, uniu o skate ao base jump e se jogou na imensidão do Grand Canyon, nos Estados Unidos. “Eu quero viver, e pra mim isso é vida. Voar e saltar me faz sentir vivo”, disse às Páginas Negras da Trip em 2009. Na década de 2000, foi um dos idealizadores, ao lado de Danny Way, da megarrampa, que ainda desafia aos 39 anos. A mais alta dessas estruturas, com 59 metros, fica no seu quintal.
RICKSON GRACIE
Rickson Gracie começou a lutar derrubando os irmãos nas areias do Rio sob o olhar severo do pai, Helio Gracie. Forte e disciplinado, se tornou o maior expoente da família mais famosa das artes marciais: melhor do mundo, foi estrela do vale-tudo anos antes do sucesso multimídia do MMA e largou os ringues, diz, sem nenhuma derrota e mais de 460 vitórias (infelizmente, poucas registradas em vídeo). “O vale-tudo não precisa ser violento; ele é violento quando falta técnica para vencer”, disse à Trip em 1994, quando morava nos Estados Unidos. Ele dedicou boa parte dos seus 57 anos a ensinar jiu-jítsu, que vê “quase como uma religião, não como combate”, e a se divertir com tudo o que faz – seja dar aulas, treinar pesado, ou surfar nas ondas da Prainha. “Parece até brincadeira falando, mas me divirto o tempo todo”, disse ele na sua segunda passagem pelas Páginas Negras, em 2008.
GABRIEL MEDINA
O surf brasileiro andou um longo caminho desde que Thomas Rittscher colocou sua tábua havaiana no mar de Santos na década de 30. A partir da primeira turma de surfistas profissionais, na década de 70, o país ganhou mais e mais projeção no exterior: teve futuros campeões, quase campeões, domadores (e uma domadora) de ondas gigantes e se firmou como uma das principais nações de surfistas. Faltava só um campeão. A Trip estava de olho, há sete anos, em um surfista que batia recordes no circuito júnior, “um caiçara que assombrou o World Tour” – como decretava um perfil de 2011. Não deu outra: Gabriel Medina saiu da Praia de Maresias, no litoral norte de São Paulo, para conquistar o circuito mundial em 2014 com apenas 20 anos – igualando o feito de Kelly Slater. A vitória serviu ainda para abrir a porteira da WSL: já em 2015, Adriano de Souza, o Mineirinho, trouxe o segundo título para o país.