The gay from Ipanema

Em ilhas de liberdade é possível sentir o bem-estar que só a civilidade pode proporcionar

por Alê Youssef em

Em ilhas de liberdade como a rua Farme de Amoedo, no Rio, é possível sentir o bem-estar que só a a civilidade do respeito às diferenças pode proporcionar

Estou implantando o Studio RJ, versão carioca do Studio SP, e por isso mesmo tendo o imenso prazer de passar dias inteiros de frente para a praia de Ipanema, conhecendo a rotina e entendendo os hábitos desse bairro tão emblemático. Muito próxima ao meu novo local de trabalho está a famosa rua Farme de Amoedo, conhecida como o mais importante point gay do Rio de Janeiro e talvez de todo o Brasil.

Em uma extensa faixa de areia de Ipanema, ao redor de onde a rua desemboca na praia, é possível ver centenas de lindas bandeiras do arco-íris e sentir um pouco do bem-estar que só a civilidade do respeito às diferenças pode proporcionar. Sensação igual a essa pode-se ter andando pelas charmosas ruelas do Marais em Paris, pelas históricas calçadas do Castro em San Francisco ou pela animadíssima rua Frei Caneca em São Paulo. Às vezes tenho até certa pena daquela parcela tosca de preconceituosos da sociedade que simplesmente não pode sentir essa sensação de orgulho da própria condição humana, que esses pequenos espaços de liberdade, cabeça aberta e resistência podem proporcionar.

Ecos dessa conquista de territorialidade estão espalhados por todo o país. Nas paradas gays, que já fazem parte das agendas de todas as cidades, nas diversas mídias especializadas que refletem sobre a questão, na iniciativa de empresários que focam o trabalho no universo LGBT, na bombação da noite gay e nos diversos eventos culturais que celebram toda essa cena.

Homofobia é crime

Há mais de 15 anos acompanho de perto a discussão política sobre o tema e posso afirmar que todas as conquistas recentes são fruto da explosão comportamental de uma parcela da sociedade civil. Por meio da exposição de hábitos, rotinas e estilos de vidas, ela conseguiu vitórias sustentadas por uma espécie de bom-senso coletivo, que nasce, creio eu, justamente dessa compreensão sobre como é melhor viver em um mundo, ou andar em ruas, onde exista o respeito.

Apesar das atuações importantes de parlamentares dentro do Congresso Nacional – como Marta Suplicy, ainda como deputada e hoje como senadora, e de Jean Willys, deputado que vem se destacando com um mandato firme e participativo – , a bancada conservadora impede avanços e impõe acordos que deformam propostas legislativas e avanços importantes, como a necessária lei que criminaliza a homofobia.

Entretanto, a causa LGBT vai colecionado vitórias junto à sociedade civil e avançando da maneira que pode. A recente decisão que oficializou o casamento gay no Brasil, por exemplo, é fruto de um processo de ocupação de espaço nos corações e mentes dos brasileiros. Os ministros do Supremo Tribunal Federal que julgaram a questão com certeza têm alguma forma de contato com o universo LGBT, seja por convivência com algum familiar ou amigo, seja por adorarem o clima dos cafés do Marais.

Sei que ao lado da Farme os pitboys homofóbicos ocupam outra parte da praia e que ao virar na esquina da avenida Paulista um gay vindo da Frei Caneca pode ter que enfrentar a fúria burra de um skinhead. Há muito caminho a percorrer e muito trabalho político a fazer. Eleger mais representantes gays para os espaços de poder, para que os temas urgentes sejam aprovados sem o patrulhamento dos radicais conservadores de plantão, ainda é o caminho mais óbvio dentro da atual lógica política.

De toda forma, fica a esperança de que no mundo novo que se desenha, onde novas formas de participação definirão os rumos das políticas públicas, a sociedade irá reinventar maneiras de conduzir suas causas e levantar suas bandeiras. Nesse mundo, os direitos dos homossexuais são os mesmos direitos dos ambientalistas, que são os mesmos direitos da mulher, que são os mesmos direitos de liberdade de expressão, que são os mesmos direitos de quem luta por uma sociedade menos opressora e mais evoluída.

* ALÊ YOUSSEF, 36, é sócio do Studio SP e um dos fundadores do site Overmundo. Foi coordenador de Juventude da prefeitura de SP (2001-04). Seu e-mail é ayoussef@trip.com.br. Seu Twitter é @aleyoussef

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