'somente a expansão descontrolada do capitalismo possa levar à sua implosão'

Já escrevi num artigo na Trip que "Desconectar é preciso". Mas e se for o contrário?!

por Ronaldo Lemos em

ACELERAR É PRECISO?

Há muito tempo, escrevi aqui na Trip um artigo chamado “Desconectar é preciso”. Isso foi em 2009, tempos em que o Orkut ainda era líder de audiência no Brasil, o WhatsApp ainda nem sonhava em existir e o Facebook estava longe de se tornar o gigante Adamastor que é hoje. Em outras palavras, o ritmo da internet daquela época parecia uma brisa ao mar comparado com o frenesi das mensagens instantâneas, atualizações do Facebook, Instagram e congêneres do mundo de hoje.

E não se anime: o ritmo só vai se intensificar. A informação quer ocupar cada vez mais espaços da vida. Hoje ações como esperar o elevador, ficar na fila ou até mesmo caminhar na rua são oportunidades de ler (e responder) as mensagens pendentes no celular. Em face disso, vejo surgir cada vez mais pessoas que se juntam ao movimento do “desconectar é preciso”. São vozes que lutam pela preservação de tempos mais tranquilos, em que tudo pode seguir mais devagar e sem pressão incessante. Em vez de fugere urbem, fugere internetem.

É claro que ainda faço parte desse movimento. No meu artigo de 2009, escrevi que “um dos desafios a serem enfrentados no século 21 será como restaurar a dimensão humana para as comunicações digitais. Hoje as demandas são potencialmente ilimitadas, mas nossa capacidade de atendê-las continua a ser meramente humana. Talvez o primeiro passo para isso seja mesmo a desconexão, sem culpa”.

Mas e se eu e todos que lutamos pelos espaços de desconexão estivermos equivocados? E se a solução for justamente o contrário: promover a aceleração cada vez mais intensa e desenfreada do fluxo da vida? Meter o pé na tábua sem medo? Pois bem, o aceleracionismo (eita palavrinha chata) quer que você faça exatamente isso. Seu surgimento remonta ao marxismo: acredita que somente a expansão descontrolada do capitalismo possa levar à sua implosão (o próprio Marx é citado dizendo que “o livre mercado apressa a revolução social. É nesse sentido revolucionário, e apenas nele, que eu voto a favor do livre mercado”).

PÉ NA TÁBUA

O culto à aceleração possui intrigantes adeptos contemporâneos. Um texto que vale ser lido é o “ACCELERATE MANIFESTO” (assim mesmo, em letras maiúsculas). Nele há belas provocações como: “Acreditamos que a divisão mais importante da esquerda atual é entre aqueles que se apegam a uma política de localismo folclórico, de atuação direta e horizontalismo, com aqueles que se sentem confortáveis com uma modernidade abstrata, complexa, global e tecnológica. Os primeiros ficam contentes em criar pequenos espaços temporários para relações não capitalistas e ignoram que os reais inimigos são não locais, abstratos e enraizados profundamente na estrutura do dia a dia”.

A partir dessa constatação, o manifesto declara: “Os Aceleracionistas queremos libertar as forças produtivas latentes. Em nosso projeto, a plataforma material do neoliberalismo não precisa ser destruída. Ela precisa ser reprogramada em prol de finalidades comuns”.

Em face de forças tão opostas, acelerar ou desacelerar será o novo dilema hamletiano dos nossos dias.


*RONALDO LEMOS, 38, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org) e apresenta o programa Navegador na Globonews. Seu Twitter é @lemos_ronaldo 


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