Sem cerveja, fritura ou baseado
Aos 62 anos, sinto como se tivesse que começar tudo de novo
Eu já estava sentindo algumas manifestações doloridas no tórax, mas achava que tomando xarope resolveria, como em outras vezes. Mas não resolveu e, de repente, eu estava sendo carregado ao pronto-socorro. O peito e a cabeça doíam acima do suportável, eu respirava com dificuldade e o mal-estar era generalizado. Estava fraco, doente e até as pernas falhavam. O médico suspeitou de pneumonia. Mas, depois de medicado, olhou a chapa dos pulmões e, como eu havia melhorado sensivelmente, ficou só na suspeita. Melhorei um pouco com a medicação que me foi ministrada, mas logo estava ainda pior.
Fui ao médico particular, dada a urgência. Este, ao examinar a chapa dos pulmões, que estava preta, perguntou se eu fumava. Respondi que tinha largado o cigarro havia 22 anos, mas ainda fumava maconha. Ele afirmou que o preto na chapa era oriundo do cigarro e das químicas que colocavam na maconha para disfarçar o cheiro. Segundo ele, o pulmão não se recupera. Lesou, estará lesado para sempre. E sentenciou: era mesmo pneumonia. Mas, para ele, depois de me examinar minuciosamente, essa era a menor das preocupações. Eu estava com asma, hipertensão arterial (pressão alta) e arritmia cardíaca. Minha pressão oscilava nas alturas; daí o mal-estar, a insônia e a maioria dos sintomas.
Sempre fui supersaudável, jamais operei algo em meu corpo. Até as balas dos tiros que tomei foram assimiladas pelo corpo. Estava havia um ano na academia fazendo musculação, forte como um touro. Jamais restringi algo em minha alimentação. Tomava poucas latinhas de cerveja e, à noite, fumava um baseado. Em dez dias perdi cerca de 5 quilos e meu preparo físico foi para o espaço. Medicado, já tive alta da pneumonia, mas a pressão continua oscilando, e sempre para o alto. Estou fazendo uma bateria de exames: tomografia, Holter, ecocardiograma, eletrocardiograma e outros. Só então terei um diagnóstico seguro e as medicações necessárias.
Mas já vivo de dieta: o sal foi drasticamente diminuído. Muitas coisas que gosto não poderei mais consumir, e é para sempre. Se não houvesse emagrecido, teria que perder peso. Devo me manter como estou e fazer exercícios todos os dias. Álcool, nem pensar; maconha, então, até o cheiro me faz tossir como se fosse jogar o pulmão fora. Quase tudo pode me prejudicar, até o café.
REPOUSO ABSOLUTO
Não posso ingerir nada industrializado, embutido ou condimentado. De gordura, salgadinhos, lanches, pizza e frituras, devo passar longe. Só posso azeite extravirgem, saladas, legumes, frutas, cereais, e tudo em pequenas porções. O médico não falou em carne, e eu fiquei quietinho para que ele não se lembrasse, porque aí seria o fim. Ainda faço inalações de 8 em 8 horas, chupo uma bombinha com um remédio para asma e tiro pressão todos os dias.
Há cerca de 20 dias estou assim, doente. Fiquei em repouso absoluto por dez dias por ordem médica. Sofro reação a antibióticos e a outros remédios que acabam com a flora intestinal e os rins. Mas o pior é a parte psicológica. A síndrome de abstinência da maconha e das latinhas tem sido torturante. Fiquei uma semana sem dormir, sem fome, sentindo um gosto de podre na boca e escarrando uma gosma amarela, nojenta. A crise de abstinência já vai passando, mas estou acelerado pela pressão alta; o nervosismo é constante. Tenho um anjo que, apesar de tudo, me ama, cuida e toma conta de mim. Mas eu a maltrato tanto que me remoo de remorso depois. Estou insuportável.
Na minha vida, vivi algumas transformações radicais. Estive preso, cumpri a pena máxima do país e, depois, fui libertado quando não esperava mais. Depois de dez anos aqui fora, agora essa mudança radical e obrigatória de todos os meus costumes e das condescendências. Todos temos desvios, mas, com o amadurecimento, percebemos o quanto nos prejudicam e vamos tentando corrigir. Aos 62 anos de idade, sinto como se tivesse que começar tudo novamente, e agora sem chances de erros. Não estou considerando ruim, a vida exige e cobra correção e atenção. E eu, mais uma vez, responderei com redobrados cuidados.
*Luiz Alberto Mendes, 62, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com