Rumo à obesidade

No Brasil, cada vez mais gente prefere comida pronta, mesmo com acesso a alimentos frescos

por Ronaldo Lemos em

Em algumas regiões dos EUA é quase impossível achar uma refeição com frutas ou vegetais. A alimentação consiste em produtos industrializados. No Brasil, cada vez mais gente prefere comida pronta, mesmo com acesso a alimentos frescos

Nos EUA, o termo food deserts (desertos alimentares) é utilizado para descrever regiões ou até mesmo cidades inteiras onde não existe acesso a comida fresca. Nesses lugares é praticamente impossível encontrar uma refeição com vegetais, frutas ou mesmo produtos de origem animal que não tenham sido preparados industrialmente. As pessoas ali costumam perder a capacidade de preparar uma refeição. Muita gente não sabe cozinhar nem quer aprender.

Tudo porque a alimentação nesses lugares passou a consistir basicamente de produtos industrializados: refrigerantes, bolachas, biscoitos, salgadinhos ensacados, chocolates, congelados industrializados, carne processada e assim por diante. O impacto disso para a saúde é trágico. São alimentos que consistem basicamente em bombas de sal, açúcar, gordura, conservantes e produtos químicos como glutamato. O impacto é também espiritual. A pessoa vai progressivamente ficando parecida com o que come.

Os desertos alimentares acontecem principalmente nas regiões mais pobres dos EUA. Afetam cidades que passaram por processos agudos de pauperização, como Detroit. Quanto mais pobre é a pessoa (ou a região em que ela vive) e menor o nível educacional, maior a propensão a comer só produtos industrializados.

DESENVOLVIMENTO?

Enquanto isso, no Brasil a trajetória é ligeiramente diferente. Nos últimos dez anos houve a ascendência de milhões de pessoas para um padrão mais elevado de consumo. E, com isso, uma expansão enorme no consumo de comida industrializada. Parte desse consumo é de pessoas que não tinham qualquer segurança alimentar e, na prática, não têm outra opção. No entanto, outra parte é de gente que tem a opção de comer melhor, mas está trocando saúde por conveniência. Produtos industrializados são instantâneos e duram meses. Já produtos frescos precisam de logística e preparo.

Um sintoma desse novo consumidor de comida industrializada é a proliferação pelas cidades brasileiras de lojas especializadas, que vendem apenas biscoitos, chocolates e outras variações de açúcar e farinha branca, e nada mais. Com isso, está surgindo no país um número significativo de pessoas que voluntariamente se exilaram em um deserto alimentar.

Isso é triste especialmente porque existe relativa facilidade no Brasil de ter acesso a produtos frescos, mesmo em áreas carentes. Além disso, o impacto para a saúde pública é inevitável, com aumento de casos de hipertensão, diabetes e obesidade.

Essa é uma discussão que faz parte do debate sobre o modelo de desenvolvimento do país. Ascender economicamente sem desenvolver todas as dimensões da vida (que tem como boa medida um padrão alimentar humanizado, inserido em um contexto cultural e social) é fazer tábula rasa do potencial do país. Gosto de repetir a afirmação do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro quando pergunta: “Desenvolvimento para quê? Para a obesidade?”. A frase, que tem um sentido metafórico importante, no Brasil está ganhando cada vez mais um sentido literal.

*Ronaldo Lemos, 36, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br
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