Ricardo Guimarães: 'Papa repaginado'

Um jogo mostra Bento e Francisco no comando da Igreja Católica fazendo as mesmas atividades, mas de formas completamente diferentes

por Ricardo Guimarães em

Caro Paulo,

O papa Francisco é a minha celebridade favorita. Dá um Google em “papa jogo dos sete erros” e entra em “imagens”. Faça isso e você vai me agradecer para sempre. É genial. Você vai ver o Bento e o Francisco, lado a lado, no mesmo lugar, fazendo a mesma coisa, porém, de formas totalmente diferentes. As diferenças não são erros. São evoluções. É a melhor coisa que vi para explicar o que mudou essencialmente no mundo do século 20 para o do século 21 e a razão de o papa Francisco ter arrebatado a todos tão unânime e rapidamente.

Mas, antes do jogo, vamos ampliar o olhar para além da pessoa do Francisco para entender o seu verdadeiro significado. Não se trata de ver como a pessoa é legal, mas por que ela foi considerada tão legal para o cargo. Aí vamos entender o espírito da época que o elegeu como “o” cara.

Como Francisco chegou até a posição de papa? Seu antecessor se demitiu por se sentir incapaz de administrar a complexidade da organização que dirigia: a Igreja perde participação em todos os mercados em que atua, tem corrupção no banco, lobbies internos agressivos, um descontrole só. Os cardeais, sabedores de toda a encrenca e que deveriam encontrar um substituto que desse conta daquele desafio épico, analisaram vários perfis alternativos e concluíram que Francisco teria sucesso onde Bento fracassou.

O que ele não tem que o Bento tem? Não errei a pergunta. Veja a foto dos dois, comece a jogar e você vai entender. O Bento está num tablado mais alto e vermelho, usa sapatos vermelhos feitos sob encomenda, está sentado numa cadeira dourada, de espaldar altíssimo, toda torneada, veste roupa bordada em ouro e está arcado sobre um texto que deve ser o discurso que alguém escreveu para ele ler. Francisco está num tablado menor e marrom, seu sapato é preto e comum, sua cadeira é de madeira escura, de tecido branco e espaldar baixo, sua roupa é branca e sem adereços e ele não tem nenhum texto na mão.

Por trás das diferenças, o fato é que o Bento tem uma estrutura corporativa e uma política de gestão que o protegem, o oprimem e são conservadoras do status quo. Tudo parece pesar sobre ele. Fixe seus olhos na figura do Bento e é capaz de você ver o cerimonial e a hierarquia do Vaticano dizendo como ele deve fazer. Foi assim que ele não deu certo. Francisco não convive com isso e por isso mesmo foi designado para o cargo. Simplicidade, leveza, franqueza, contato direto com a realidade são condições para o seu sucesso. Ele rebrifou todo o design dos móveis, da roupa, dos objetos, dos processos e dos procedimentos porque eram entulhos que atrapalhavam sua missão. E ele não fez isso porque aprendeu no MBA, mas porque aprendeu com sua própria biografia e suas crenças, que foram escolhidas como adequadas para lidar com a complexidade da situação.

Novo design

Pela mesma razão ele mudou o design da sua habitação: não mais isolado num quarto de 300 metros quadrados onde recebia relatórios sobre o mundo, mas num quarto normal do Santa Marta, no meio do vaivém de padres do mundo inteiro, onde ele pode receber as notícias diretamente. Mudou o design do papamóvel mandando tirar os vidros para que ele sentisse o povo e se relacionasse com as pessoas.

Se alguém falar que ele é bom de marketing, não leu duas linhas sobre a história do cara e não tem noção do que é o design que captura o zeitgeist. Seu sucesso não depende de estudo nem de pesquisa ou de planos de marqueteiros. É questão de contemporaneidade. Eu torço por ele porque, entre tantas celebridades que exibem o pior de nossa humanidade, ele mostra o nosso lado mais legal. Viva o Chico que mora em cada um de nós.

Abraço,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é www.twitter.com/ricardo_thymus

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