Rashid dando a letra

Rapper paulistano lança seu primeiro livro, em que revela histórias por trás de algumas de suas músicas

por Carol Ito em

O rapper paulistano Rashid, 30 anos, começou a se aproximar da literatura aos 15, quando passou a frequentar batalhas de MCs que exigiam um vocabulário afiado na hora da rima. “O Mano Brown sempre falava dos livros do Malcom X, cresci sabendo que pra ser tão bom quanto os caras que eu admirava precisava ler tanto quanto eles”, conta. Rashid, Projota e Emicida, amigos há mais de uma década, eram “os mais aplicados”, segundo ele, e por isso ficaram conhecidos como “os três temores” nas batalhas.

Essa relação de Rashid com a literatura culmina agora no lançamento de seu primeiro livro, Ideias que rimam mais que palavras – Vol.1, em que ele narra as histórias que inspiraram sete faixas produzidas entre 2008 e 2014, entre as quais estão “Quando eu morrer”, “Confundindo Sábios” (título também de sua terceira mixtape) e “Gratidão”. A publicação está à venda pelo site da Foco na Missão, produtora que fundou em 2014. A primeira tiragem foi de 2 mil exemplares — seu objetivo é esgotá-la em breve publicar uma nova leva. 

Crédito: Tiago Rocha/Divulgação

Em “Música de guerra”, primeira faixa do álbum Crise, lançado no início deste ano, ele manda um verso que combina com sua afinidade com as palavras: “Minha primeira língua é a verdade, depois português”. O disco reúne 10 faixas que foram lançadas de forma serial na internet ao longo de 2017, acompanhadas de vídeos no Youtube. A estratégia foi baseada em pesquisas sobre o mercado musical na era do streaming, desenvolvida junto com a companheira e empresária, Daniela Rodrigues. As participações incluem os cantores Luccas Carlos, Ellen Oléria e Godô.

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Crise reflete o atual momento de vida de Rashid, permeado por contradições, em que “nem tudo é só problema e nem tudo é gozolândia”, segundo ele. Com dez anos de carreira, o rapper fala sobre a relação com a literatura, os corres para acompanhar o mercado musical, os hits e a atenção na hora de escrever sobre mulheres: “Dá pra fazer uma música romântica, que bomba, sem ser otário”, dispara.

Trip. Como começou sua relação com a literatura?

Rashid. O Mano Brown sempre falava dos livros do Malcom X, cresci sabendo que, pra ser tão bom quanto os caras que eu admirava precisava ler tanto quanto eles. Na época das batalhas era muita leitura pra ter o vocabulário afiado. Eu morei no fundo de uma igreja evangélica com a minha vó onde tinha uma minibiblioteca, eu li de tudo naquele período. Lia bula de remédio, manual de torneiro mecânico, livro de geografia da escola.

Quando rolou a ideia do livro? Escrever um livro é um sonho antigo. Queria escrever algo que tivesse a ver com a minha música para criar um laço mais forte com meus fãs . É legal descobrir o passo a passo do artista, que é o assunto do meu livro. Quando vi o documentário sobre o Jay-Z, Fade to Black, que mostra ele no estúdio, eu chapei. Também tenho o objetivo de introduzir os fãs na leitura, sei que muitos não têm o hábito. Alguns vêm e falam “é o primeiro livro que eu vou ler, hein, Rashid”. Por isso, a leitura deveria ser leve, não dava pra escrever um Senhor do Anéis, preferi fazer algo mais curto. Quero falar de outras composições nos próximos volumes.

Crédito: Divulgação/Estúdio Miopia

O que você gosta de ler? Eu não sei se sou um leitor muito errado, mas não tenho um gênero específico que gosto. Eu leio livro de estudo cientifico, de história, quadrinhos. Eu sempre pirei em HQ, tenho Desterro [de Alexandre de Maio], Habib [Craig Thompson], Couro de gato – Uma história do Samba [Carlos Patati e João Sánchez], entre outros. Tem um preconceito com tudo que é de massa, que é “anti-cult”. Um livro do Tolstói é legal e o do Rashid, deixa pra lá. Isso é muito feio. Na simplicidade também existem coisas grandiosas. 

Entre os cantores gringos do rap, em quem você tá ligado? Kendrick Lamar, J. Cole, Childish Gambino e Aminé.

E entre os brasileiros? Gosto muito de Luccas Carlos, Djonga, Clara Lima, Drik Barbosa, Rincon Sapiência, que apareceu agora, mas é da minha geração. Trombava ele direto nas batalhas.

Por que você acha que o Rincon estourou só agora? A africanidade que ele traz na música e na estética é uma tendência — ótima, por sinal —, tá em alta. Ele já tinha essa pegada numa época em que a galera não acreditava muito. Acho que ele foi a primeira pessoa a fazer um hit no rap com a Elegância, de 2010, que já estourava nas baladas. Sou fanzão.

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Como furar a bolha do mainstream? O Jay-Z falou assim: “Eu entrei no rap pra alcançar o maior número possível de pessoas”. Tem que jogar o jogo. O legal é se manter livre pra fazer o que quiser, sem perder a credibilidade. Eu sempre fiz questão de falar de vários momentos da vida, da tristeza, da fossa, da revolta com a política, a questão social, racial. No samba tinha muito isso, com Cartola, Adoniran. É a beleza de falar sobre tudo.

Como foi compor as músicas do CriseEu não tinha nada na gaveta, foi tudo do zero. Minha vontade era de que as músicas se contrariassem. Numa faixa a vida tá linda, na outra tá uma merda, depois melhora de novo. São os estados de espírito da gente. Nem tudo é só problema e nem tudo é gozolândia. E isso tem a ver com o momento político também. A gente abre o Twitter de manhã e, antes de tomar o café, já perdeu a esperança. E pode piorar.

Como foi seu experimento com o álbum Crise, em termos de divulgação na internet? É até injusto comparar com os anteriores, em termos de números, alcance. Foi o que mais fez barulho, disparado. As pessoas ultimamente estão pescando as músicas e jogando em playlist, por isso lancei as faixas separadas. O formato do disco acaba ficando pra trás.

Crédito: Elias Mast/Divulgação
“O entretenimento tem valor pra caramba, não é só orelhada e discurso”
Rashid

Suas músicas de amor, como “Bilhete” e “Eu te avisei”, tiveram um sucesso estrondoso. Por quê? Eu sempre imaginei que se o Rashid fizesse mais músicas de amor, já poderia ser um artista maior [risos]. Mas eu prefiro transitar entre outros universos, cada música tem seu público. A “Bilhete” deu um start na coisa, mas a que bombou mesmo foi a “Eu te avisei”. No começo, eu achava que música de amor era perda de tempo, tinha que falar das coisas do mundo primeiro, mas o amor também é revolução. Eu vejo vários casais de fãs que se formaram no meu show, que levam o filho.

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Quando você vai compor músicas sobre mulheres rola uma preocupação? É uma preocupação mostrar que dá pra fazer uma música romântica, que bomba, sem ser otário. Dá pra fazer um bagulho responsa. Eu não saio de casa sem a Dani escutar antes, tem que abaixar a cabeça também. Acho o maior valor o Criolo mudar as letras dele que foram consideradas machistas.

Mais de um milhão de seguidores no Facebook, 246 mil no Instagram. Como lida com as redes sociais? Eu tento ser equilibrado. Tem que alimentar bem as redes e eu gosto também, preciso divulgar minhas coisas. É legal ver o tanto de gente que chega. Quando você para pra pensar friamente é meio assustador. Eu tento tomar cuidado com a exposição da vida pessoal pra ninguém achar que pode opinar sobre tudo.

Créditos

Imagem principal: Moysah Conceição/Divulgação

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