Protagonistas de nossa própria vida
Luiz Mendes: Vivemos desejosos de cumprir com as vontades de nossa vida e frustrados porque ela se cumpre antes de completarmos o desejo
Nossa vida é um acontecimento secreto. Nem quem convive intimamente conosco participa. Vivemos mergulhados em nossas próprias reflexões, muitas vezes absurdas, outras até ilegais, imorais ou deselegantes. Pensamos situações que não confessaríamos nem ao nosso psicólogo. Claro que refletimos também sobre atitudes e considerações muito felizes, interessantes e positivas, dependendo do que estamos vivendo ou sentindo. É até um tanto quanto estranho o relacionamento com os outros. Estamos tão acostumados a estar conosco mesmos que às vezes a presença de outros em nossa vida pode até nos surpreender.
Vivemos preocupados com o que aconteceu, querendo determinar o que nos acontecerá. Tememos o inaudito, o novo e o que nos surpreende. Pretendemos dominar a vida abrangendo-a com o pensamento. Não aceitamos o que nos é incompreensível e o que não podemos controlar. O que é inevitável nos é doloroso, até antes de acontecer. Às vezes me parece que a vida, embora seja composta de atitudes possíveis, é sempre dominada pelo impossível e o inominável, que determina o cenário onde ela será protagonizada. Por isso, nos preocupar com o que foi e com o que será é quase sempre uma doença, uma neurose. Na mente, tudo se passa como se houvesse uma vida melhor do que essa que estamos existindo, muitas vezes por alguma falha que nós mesmos cometemos. Somos sempre culpados.
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A vida é sempre cedo para nós, como um copo de sede. As sombras da noite sempre nos surpreendem perplexos. É como correr pelas calçadas em busca de abrigo da chuva inutilmente. Vivemos desejosos de cumprir com as vontades de nossa vida e frustrados porque ela se cumpre antes de completarmos o desejo.
Sobra um buraco, em vez de um estômago. Nossa vida está em algum lugar para dentro de nossos ossos, quiçá em nossas vísceras, escritas nas rugas da pele e impressa em nosso rosto. Vorazes, famintos de vida e controlados pelo tempo, devoramos instantes e seguimos despossuídos pelo mundo afora em busca do calor de nossa desejada morada.
Fomos convencidos a ficar apavorados quando deveríamos estar calmos, porque tudo persiste, apesar da vida, apesar da morte. Não podemos estranhar que estamos sendo nós mesmos, nosso tempo é já e não há porque se preocupar. Nada diz tudo o que faz, assim como nada faz tudo o diz, viver é protagonizar. É emocionante quanto um dente de leite cai; nada do que existe pode ser isento de nós. Podemos nos tranquilizar, a vida somente se divide para poder se multiplicar e podemos confiar que a chama que alimenta nossa vida vem de uma enorme fogueira.