Parece cocaína, mas é só açúcar
Mais do que um diabético em reeducação alimentar, sinto-me um adicto em recuperação. Não posso ter chocolate em casa porque como escondido
A caminho do metrô, compro três Sonhos de Valsa ("melhor começar o dia doce"). Cada um vai numa bocada só.
Depois do almoço, dois picolés. Um de fruta, “pra refrescar”, e outro mais parrudo, como um Mega Três Chocolates, esse é a sobremesa “de verdade”. Nas sorveterias, três copos grandes com dois sabores. O primeiro só de fruta; o segundo, duas variações de chocolate; e o terceiro, um best of dos anteriores. De novo no caixa do quilo: “Olha só, lançaram um Bis gigante, vou levar dois”. Ou então: “Tudo bem eu comprar essa barra enorme de Alpino. Escondo na gaveta do trabalho e pego aos poucos durante a tarde, ninguém vai perceber”.
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Nas festinhas de criança, até 30 brigadeiros iam facilmente, dois por vez na boca. Isso sem contar as feijoadas, pratos de 1 quilo toda refeição, 6 pedaços de pizza ou muitos pãezinhos no jantar, uma cerveja (ou duas) antes do almoço “pra ficar pensando melhor” e uma fila de et cetera.
Resultado: 111 quilos, glicose de 350 em jejum (o normal é 110 mg/dl) e um diagnóstico de diabetes aos 41 anos.
“Sinto-me como um cocainômano que nunca estará curado e terá de viver em constante controle e privação, podendo ter uma recaída a qualquer instante”
Lino Bocchini
Cortei todo o açúcar antes mesmo da primeira consulta com a endocrinologista. Foram três semanas a seco. Provei todos os doces dietéticos possíveis. Nenhum presta, sem exceção. Nenhum traz nem de relance a luz do açúcar. Um mau humor frequente e um princípio de depressão vieram rapidamente. O trabalho fica insuportável. Viver em geral fica mais chato.
Com a ajuda da endocrinologista e de uma nutricionista comecei uma dieta radical, porém racional. Aprendi, por exemplo, que doces dietéticos, além do gosto horrível, têm muitos carboidratos, logo, não servem de nada. Mais vale comer um pequeno Alpino. Ok, é 1/20 do que eu costumava mandar pra dentro, mas ajuda.
Mais do que um diabético em reeducação alimentar, sinto-me um adicto em recuperação. Não posso ter chocolate em casa porque como escondido. Ainda ataco a despensa da minha sogra, sempre entupida de doces. Sofro a cada encontro com um reles Diamante Negro, e são muitos por quarteirão.
A primeira ida a um shopping, com suas dezenas de docerias, sorveterias, macarons e chocolates, quase me levou às lágrimas. Meu coração sangra quando sinto aquele cheirinho do cookie recém-saído do forno da Mr. Cheney.
Mas estou melhorando. Eu comia de forma tão desenfreada que perdi 12 quilos em menos de 6 meses, apenas reduzindo tudo e quase zerando o açúcar, mesmo fazendo pouquíssima atividade física. No Natal e no Ano-Novo não comi quase nada de doce, nenhum pareceu bom de verdade para valer a pena se empanturrar.
Menos pesado (ainda tenho muito peso a perder) e com a glicemia controlada à base de regime e seis comprimidos diários, me sinto melhor. Ainda não estou, contudo, me sentindo superbem. Tenho muita saudade de comer dez brigadeiros em sequência, do boost do açúcar refinado. Nada se compara àquela sensação.
A redução de açúcar foi tão drástica e o seu poder é tão grande que hoje um picolé Frutare de uva me dá um prazer quase sexual.
Não, não estou feliz. Não está sendo nada fácil.As forças para continuar vêm dos meus dois filhos. Vêm ao pensar que estou trocando aquela rotina doentia por alguns anos de vida a mais ao lado deles. E aí todo esforço compensa. Mas, como um bom viciado em açúcar, a batalha é diária, e as tentações, terríveis.