Os vigilantes da Lava Jato

Quem são os manifestantes acampados há mais de dois meses em frente ao prédio da Justiça Federal, em Curitiba, para apoiar o trabalho do juiz Sérgio Moro

por Rafael Antunes em

A Operação Lava Jato já prendeu mais de 160 pessoas, de acordo com o Ministério Público Federal. Mas na sede da operação em Curitiba, o saldo é ainda maior. Sérgio Moro, juiz que comanda as investigações, se tornou uma celebridade na cidade. É aplaudido por onde passa e, na praça em frente ao prédio Justiça Federal no Paraná, de onde Moro atua, vários manifestantes fazem vigília para apoiar o trabalho do ídolo.

A movimentação começou na manhã de 17 de março, quando a presidente Dilma Rousseff oficializou Lula como ministro da Casa Civil. Centenas de pessoas armadas de bandeiras verdes e amarelas se dirigiram à praça Pedro Alexandre Brotto para protestar contra a nomeação. Ao fim do dia, os manifestantes começaram a voltar para suas casas, mas nem todos. O cabeleireiro Marcus Ribeiro, 37 anos, decidiu trazer uma barraca e acampar na praça para apoiar Moro na cruzada da Lava Jato. O empresário Anderson de Oliveira, 32, aderiu à ideia e também se instalou no local. Ali começava o que agora é conhecido como “Acampamento da Justiça”.

Marcus e Anderson, o Prefeito, ostentam a Medalha Patriótica, concedida ao Acampamento da Justiça pelo grupo Patriotas - Crédito: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

Os fundadores do movimento seguem unidos e Anderson hoje é chamado de “Prefeito”. Ele é quem comanda as ações e capitaneia as melhorias na estrutura do alojamento que, após dois meses, já tem luz elétrica (dividida com um vendedor de caldo de cana da praça) e duas grandes estruturas. Uma, feita com dois contêineres de construção sob um telhado de zinco e armação de madeira, abriga os mantimentos. Ao lado, uma tenda de lona branca funciona como salão social dos manifestantes. É de lá que eles acompanham por um telão eventos como as votações do impeachment.

Foi o próprio Prefeito quem recebeu a equipe da Trip no local. E brincou: “Vocês deram azar. A gente sempre assa uma carninha aqui, mas hoje não rolou porque tivemos que desmontar a churrasqueira”. Como muita gente vai para o Acampamento da Justiça ao fim da tarde, após o expediente e sem comer, a carne assada virou tradição no cair da noite.

Crédito: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

Os organizadores não têm um número certo de manifestantes do movimento, mas a página oficial no Facebook tem mais de 200 membros. Árvores ao redor da praça abrigam bandeiras e faixas em verde e amarelo que dão o tom patriota da manifestação — além de uma câmera de monitoramento. Entre postes, um varal ostenta camisetas com o rosto de Moro. Elas estão à venda e o dinheiro é investido na manutenção do espaço.

PLURALIDADE POSSÍVEL?
Mas, afinal, quem são as pessoas que se mantêm na praça para apoiar Sérgio Moro? No local, conversamos com um grupo de manifestantes que não hesitou em colocar para fora todas as críticas ao momento atual e, claro, enaltecer o trabalho do juiz da Lava Jato.

Apesar de somarem forças para apoiar Moro e serem unânimes em relação ao presidente interino Michel Temer (um mal necessário, dizem), há entre os acampados diferentes ideias de soluções para o país. Desde quem queria novas eleições até quem defenda uma intervenção militar – caso de Marcus, que, dentro de calças camufladas e coturnos, pede um governo provisório composto pelas Forças Armadas.

Manifestante tira foto com o boneco Super Moro - Crédito: Arquivo pessoal

“As Forças Armadas estão treinadas e condicionadas a qualquer serviço e um deles é a administração, mesmo que temporária", diz. "Seria uma intervenção de 90 dias, até as novas eleições.” E se o episódio da deposição de João Goulart, em 1º abril de 1964, é apontado como golpe de Estado, o cabeleireiro defende os militares na ocasião: “Se não tivessem desfechado a contrarrevolução em 64, uma ditadura comunista estaria implantada no Brasil”.

“As crianças estão sendo doutrinadas. Aprendem a engravidar nas escolas e não sabem cantar o hino nacional”
Wanisa Trova, 56 anos

A ode à direita é fortalecida por conta do combate ao que todos ali enxergam como uma invasão comunista ao Brasil, como aponta a farmacêutica Wanisa Trova, 56, indignada com os rumos da educação no governo do PT. “As crianças estão sendo doutrinadas. Aprendem a engravidar nas escolas e não sabem cantar o hino nacional”, afirma.

Outra queixa comum entre os ocupantes da praça é que o comunismo instaurado no país estaria criando uma cultura de demonizar empresários. “As pessoas precisam entender que se a gente [empresários] estiver bem, vai refletir na vida do funcionário. Será melhor pra todo mundo”, defende o Prefeito. “Mas hoje, o que acontece é que o governo do PT gastou todo o dinheiro com Bolsa Família e quando o empresário, que gera prosperidade para o país, precisa fazer algum empréstimo com o governo, não consegue.”

Crédito: Arquivo pessoal

A VISITA ESPERADA
O feriado de Tiradentes, no dia 21 de abril, foi especial para um grupo de acampados. Por volta das 22 horas o carro preto parou, baixou os vidros escuros e dentro pôde-se ver ele mesmo: Sérgio Moro, ao lado da mulher. “Foi muito emocionante”, lembra a advogada Paula Milani, uma das primeiras a reconhecer o ídolo.

“Vocês não precisam se sacrificar por mim”
Sérgio Moro

Todos correm para o carro e por lá conversaram por cerca de cinco minutos. Moro teria agradecido o apoio e dito que acompanha as atividades do grupo através das vidraças espelhadas do prédio da Justiça Federal. “Vocês não precisam se sacrificar por mim”, abrandou o juiz. Mas que nada. A presença dele no acampamento fortaleceu ainda mais a vontade dos apoiadores. “Quem não estava aqui naquela noite quis morrer quando soube que ele falou com a gente”, orgulha-se Paula.

Sérgio Moro virou um líder carismático para as pessoas do Acampamento da Justiça. Tanto que dia desses apareceu na praça um boneco inflável com nove metros de altura com a figura do juiz vestido de super herói. “Ele reacendeu nossa esperança no país. A nossa vontade de lutar”, afirma, emocionada, Wanisa. Ela chegou por ali sozinha. Sempre passava na rua em frente e um dia parou. Não abandonou mais o movimento e também convenceu o marido, José Cordeiro, policial militar aposentado, a participar dos jantares e eventos.

O grupo que se formou no Acampamento da Justiça não tem planos de parar. A ideia é seguir por ali até o fim das investigações da Operação Lava Jato e a prisão de todos os envolvidos. Inclusive, já falam em ceia de Natal. Ao fim da visita, um convite sorridente de Paula. “Voltem aqui outro dia. Mas a lazer, não a trabalho!”. O churrasco segue prometido.

Crédito: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

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Imagem principal: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

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