Luiz Mendes: O que fazer?

Temos tanto a fazer, mas por antecipação já sabemos que provavelmente erraremos muitas vezes até chegar à solução

por Luiz Alberto Mendes em

O que fazer todos nós temos, muito e sempre. Às vezes, o repouso completo e não fazer absolutamente nada é exatamente o que se tem a fazer. Fui obrigado a ficar assim recentemente por uns tempos, logo após passar por complexa cirurgia. É horroroso ver as pessoas cortadas de cima abaixo no peito, mas pior ainda é estar todo costurado e ligado a vários tubos que nem se sabe o que contêm. As 24 horas do meu dia seriam demasiadas caso eu levasse a sério isso de ter que me distrair. Ir ao banheiro era uma aventura na selva da dor, da sujeira e do incômodo. Carregar os tubos em uma "árvore" de ferro cada vez mais pesada em uma mão e o dreno na outra, mesmo que por alguns metros, era quase uma maratona. Depois ainda precisava fazer o "serviço": limpar, vestir e voltar. Era cansativo demais. Em seguida, subir à cama, ajustar os tubos e ver se estavam funcionando. Quando não, lá vinham os enfermeiros furar, injetar e refazer o curativo. Mais dor e saudades.

Saudades, saudades de minha companheira a cuidar de mim; de minha cama já com a forma de meu corpo. Da TV a cabo ao alcance da vontade; os filmes em DVD que eu havia preparado para assistir naquela fase; saudades de Chicão, meu cão amado e, principalmente, saudades imensas de meu laptop, de minhas relações virtuais, naturais e meus textos. Sempre estou às voltas com problemas que os livros me trazem, mas busco resolvê-los sozinho. Os problemas econômicos (devo, não nego) a baixar o astral de qualquer um, vou levando. Postergando e sendo honesto sempre que posso.

Sempre há o que fazer e quando parece não haver, é aí que aparece mais ainda. As férias, os descansos, tempo para si, os cochilos, as desatenções, o chegar atrasado, isso existe cada vez menos. Hoje tem cartão de ponto e cartões eletrônicos para tudo. As pessoas os exibem, coloridos e brilhantes, pendurados ao pescoço, como que a sinalizar. Esse pertence àquela parte do edifício. Aquele pertence àquela organização. Somos teleguiados e monitorados da entrada até a saída de qualquer lugar. Até nas ruas, implacavelmente.

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São tantas coisas a fazer que, qualquer um dos caminhos que escolhermos, não chegaremos a lugar algum que nos baste. Vivemos acelerados a correr atrás de algo que nem sabemos se existe de verdade. Temos tanto a fazer, mas por antecipação já sabemos que provavelmente erraremos muitas vezes até chegar à solução. Na verdade, vivemos a justificar os erros que cometemos e a nos preparar para as consequências dos erros que cometeremos. Parece até que nossos erros são melhores e mais importantes que os dos outros. Aprendemos a lidar com nossos erros, mas nem imaginamos como seja lidar com os erros dos outros. Respeito, compreensão, compaixão e perdão ainda não são instrumentos facilitadores de relacionamento do mundo social.

O que é mais importante: foram nossos erros que construíram nossos aprendizados; foi fracassando que se construiu algum sucesso. Logo, apagar o passado é desconstruir o presente e deletar o futuro. Não sabemos se aguentaríamos viver a vida do outro como ela é na realidade. Se não sabemos se seríamos capazes de viver e aguentar o que o outro vive e aguenta, como julgá-lo? Mas, por que pensar nisso? Nem sei se vou prosseguir...

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