Como tirar gente da cadeia

De cada quatro presos que saem, apenas um fica aqui fora

por Luiz Alberto Mendes em

Há cerca de três anos, fui chamado para uma reunião, volto nela já.

Um grande homem, consciente da responsabilidade que é possuir uma grande fortuna e várias empresas em um país de tão vasta desigualdade social, resolveu contribuir com a busca por solucionar um problema socialmente ainda sem solução: a reincidência criminal, que, os sociólogos apontam, chegou ao cúmulo da pressão. Quem está preso está praticamente condenado a sair e voltar, interminavelmente. De cada quatro que saem, apenas um fica aqui fora, os outros três voltam ou são mortos cometendo outros delitos.

Quando você sabe algo sobre esse “um” que sobrou, quase todos têm filhos, família – uma grande motivação – e tudo o que querem é trabalhar e viver com sua gente, tranquilamente. Do outro lado, os que voltaram, em geral, estão muito arrependidos das decisões que tomaram, lamentam a impaciência, o desequilíbrio emocional e a falta de humildade necessária para continuarem livres.

Depois de haverem fracassado, compreendem e querem nova chance. Agora, eles pensam que sabem. São verdadeiros, estão cientes de que os ideais devem ser blindados em aço para que não virem folhas secas do outono.

Sobre prisão, embora conheça os teóricos clássicos, só vou consultar quem está ou já esteve preso. E o ex-presidiário me diz que o problema é desemprego e preconceito. Invariavelmente, quando o patrão descobre que o empregado esteve preso, ele é despedido sumariamente. Aos demais teóricos, seja Foucault, seja quem for, prefiro Dostoiévski, Caryl Chessman (o verdadeiro Bandido da Luz Vermelha), Edward Bunker, Henri Charrière (Papillon) e até Graciliano Ramos.

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Foi por conta de meus trabalhos anteriores com pessoas aprisionadas que fui chamado pelo Instituto de Ação pela Paz, para trabalhar junto com o psicólogo Maurício Cardenete, que também já havia atuado junto a presidiários. Em seis meses, construímos o projeto Semeando Sonhos; em outros seis, apoiados pelo Instituto, aplicamos o projeto em uma prisão do interior de São Paulo. O resultado foi plenamente satisfatório, realmente semeamos sonhos naqueles que passaram por nós, vários se tornaram nossos amigos. Temos contato com alguns deles, é o caso do Robson, hoje monitor de um curso de serigrafia para egressos da prisão, sob o guarda-chuva do Instituto. Neste processo, ensinamos também voluntários, que hoje aplicam uma versão própria do nosso projeto em prisões.

 A tal reunião

Naquele momento, fui convidado a montar uma oficina de redação para que as meninas da Penitenciária Feminina de Sant’Ana que iriam prestar o Enem tivessem uma chance maior na prova escrita. Montei a melhor oficina que fui capaz.

Venho montando atividades assim em todos os cantos do país, já estive em Teresina e Salvador várias vezes, em Brasília, Rio… Prisões, comunidades, escolas, empresas e até a Universidade Federal da Bahia estão entre lugares em que estive com esse tipo de oficina. São Paulo é o lugar que menos me ofereceu trabalho. Santo de casa não faz milagre?

O objetivo das oficinas sempre foi executar o programa extenso e fazer o sujeito aprisionado falar e escrever a respeito de seus problemas, do poder que é exercido sobre ele e de como é esmagado e tornado aprisionável pelo sistema, sem chances sociais.

Tento nessas oficinas colocar nas mãos deles o próprio empoderamento. Uso sempre a frase de Sartre: “Não importa o que a vida fez de você, importa o que você faz com o que a vida fez de você”. O passado não existe, o futuro acontecerá. O que existe de real é o presente e é esse o tempo em que podemos atuar. Somos filhos de nossas escolhas. Elas são fundamentadas em nossas bases pessoais e dependem do quanto lemos, estudamos, assistimos e aprendemos de prático, de nossos sonhos, ideais, do que conhecemos e ficamos sabendo. Em suma, nossas escolhas dependem daquilo que nos preenche.

Pretendo fazer mais, agradecido que sou ao Jayme Garfinkel, do Instituto de Ação pela Paz, alguém que foi contra a normalização da frase “bandido bom é bandido morto”, nos apoiando e sustentando nossos objetivos.

Créditos

Imagem principal: Retrato de Fyodor Dostoyevsky - Vasily Perov (1872)

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