Escute o guru do outro
Escute o guru do outro
De uma forma ou de outra, todos temos os nossos gurus. Mesmo que não saibamos disso. Ou, pior, mesmo que não saibamos que o nosso guru é, na verdade, o guru do inimigo. Dentro do clima vivido no Brasil de hoje, em que a discussão política acontece da maneira mais intolerante (e intolerável), esta coluna se propõe a ajudar as pessoas a encontrarem os verdadeiros gurus de algumas das causas que, tão ardorosamente, têm defendido. Pensei primeiro nas cotas para estudantes em universidades. Uma proposta da esquerda, cujo guru seria Karl Marx, certo? Errado: até o fim da Idade Média, as sociedades ocidentais eram organizadas com base no direito hereditário: filho de rei era rei, de nobre era nobre, de pobre era pobre. Com a Revolução Francesa, criou-se o conceito de cidadão, a partir do qual cada pessoa poderia aspirar a ser o que bem entendesse. Havia chegado, para as pessoas comuns, a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Que são ideias lindas. Mas, quando se tratou de interpretá-las, estabeleceu-se, sempre, a confusão.
Um dos que tentaram foi Adam Smith, considerado por muitos o grande guru do capitalismo selvagem, do salve-se quem puder. Mas, para ele, a liberdade estava fundada na igualdade, e esta significava direitos iguais para competir, numa luta na qual os melhores venceriam. Para Marx, outro intérprete fundamental, ao contrário, a liberdade estava no resultado, e os melhores deveriam permitir que todos compartilhassem dos frutos da vitória.
Assim, se criássemos uma Olimpíada Adam Smith, as competições seriam simples: atletas alinhados, seria dada a largada e o mais veloz venceria. Se alguém tropeçasse e caísse, azar o dele: eram as regras do jogo. Na Olimpíada Karl Marx, o atleta mais rápido desaceleraria e até mesmo ajudaria o que tropeçou a se levantar. No fim, todos deveriam cruzar juntos, de mãos dadas, fraternalmente, a linha de chegada. Ou seja, se você pensar bem, vai perceber que a ideia de cotas estudantis origina-se muito mais em Adam Smith, que defendia condições iguais para o início da disputa, do que em Marx, pois ela é apenas um mecanismo para tornar a disputa mais equilibrada, de forma alguma garantindo resultados equivalentes.
PAI DO FUSCA
Por outro lado, quando alguém defende reformas nas nossas leis trabalhistas, é logo chamado de fascista. Fascista? Ora, quem seria o grande guru da nossa CLT? O presidente (para não dizer ditador) Getúlio Vargas, que a decretou em 1943? Não. O grande guru da CLT foi Benito Mussolini, justamente o criador do fascismo, que governou a Itália por longos 20 anos e meio. Foi ele quem implantou, em 1927, a Carta del Lavoro, que é a base da nossa CLT. Ou, talvez, mudando para um tema mais ameno, você seja fã do Fusca, aquele simpático carrinho popular e democrático usado no Uruguai pelo ex-presidente Mujica. Mas então não se esqueça: se quem desenhou o besouro foi Ferdinand Porsche, ele o fez por encomenda de um ex-cabo do 16º Regimento Bávaro, chamado Adolf Hitler. Sim, o guru do fusca é ele, o Führer!
Qual é o ponto aqui? É, apenas, tentar matizar e trazer um pouquinho de leveza para o debate, coisas que não temos conseguido fazer. É mostrar que em nenhuma posição política, destas que hoje querem exterminar umas às outras, existe uma matriz ideológica pura. Que se começássemos a ouvir uns aos outros, mais do que berrar e xingar, ganharíamos muito. E que, finalmente, deveríamos tentar identificar melhor quem são os gurus das ideias que defendemos ou criticamos, no mínimo porque isso deixaria a discussão muito mais divertida.
Créditos
Imagem principal: Sabrina Barrios