Trip girl: espírito livre

por Autumn Sonnichsen
Trip #190

Roxanne é holandesa, namora um carioca e gosta de andar nua em sua casa no México

Foi a mãe da holandesa Roxanne que sugeriu à filha posar para mim. A moça me mandou um e-mail com umas fotos pelada na praia. Peguei um voo para Cancun e dirigi duas horas até sua casa. Roxanne herdou muito da mãe: a beleza, a impaciência, o gosto de andar nua, a vontade de viajar e o desejo por homens nada práticos

Tem uma moça andando descalça numa praia no golfo do México. É uma praia vazia, com um vento suave, o mar de um azul plácido e sem ondas. A pulseira de prata dela com dois sininhos redondos faz um barulhinho leve. Ela percebe seu olhar no pulso esquerdo dela. É o jeito da Roxanne. Ela sempre sabe que você está olhando para ela. Ela deixa você olhar.

O nome dela não vem daquela música barulhenta cantada por Sting no fim dos anos 70 (e ela também não gosta tanto da canção). Vem do Cyrano de Bergerac, a mãe dela adora a peça. A garota de 25 anos andando na praia devagar nas próximas páginas seguiu o caminho da Roxanne de Edmond Rostand, as duas conscientemente dedicando o corpo e a vida ao amor poético.

Foi criada na ilhazinha de Dordrecht, na Holanda. Sempre viajou com o pai, cineasta, morou em Israel, conheceu a África. A mãe vem da Indonésia, o pai é holandês. Foi a mãe que originalmente mostrou à filha as imagens desta fotógrafa que lhes escreve agora, falando que ela ia gostar de posar para mim. A moça me mandou um e-mail, anexando umas fotos dela pelada na praia, a pele bronzeada e a cara sardenta, os olhos dela fixos na câmera. Peguei um voo para Cancun. Aluguei um carro vermelho no aeroporto e dirigi duas horas até a casa dela.

Agora, as duas moram em uma casa cheia de flores e estátuas de Buda em Playa del Carmen, no golfo do México. Um pequeno paraíso daqueles que são meio estragados por turistas com as sungas caídas e a pele envelhecida pelo sol. Ela prefere as praias da Baixa Califórnia, do outro lado do México, onde passou três anos nômade, acampando com o ex-namorado, um professor de kitesurf com quem ela aprendeu a velejar, a voar sobre o mar. Mas é uma menina da terra, sonha em ter uma casa, filhos, cachorros. Anda descalça em todo lugar, gosta de sentir a areia abaixo dos pés. Herdou muito da mãe – a beleza, a impaciência, o gosto de andar pelada em casa, o sotaque doce, o Wanderlust e o desejo por homens lindos e nada práticos.

Gasta horas por dia falando no Skype com o noivo, um artista plástico carioca que mora nos EUA, enquanto lidam com a interminável burocracia americana para arrumar o visto dela, para ela poder voltar à casa no deserto do Arizona com o jardim pequeno que dividem com os quatro cachorros. Diz que não lembra mais quem escreveu para quem primeiro, mas um leu as poesias no blog do outro ou viu as fotos, os autorretratos que a moça costuma fazer com uma Rolleiflex antiga de filme médio formato (e que podem ser vistos no site dela, www.roxannehuber.com). Trocaram e-mails durante meses, falaram interminavelmente por telefone, até que um dia a moça pegou um avião de Nova York, onde morava na época, para o Arizona. Um mês depois eram noivos. Vão se casar em breve, no aniversário de um ano juntos. Quando pergunto com o que ela sonha, a resposta vem rápido, em uma voz baixa com muita certeza: a moça quer ser mãe.

É essa certeza imóvel que ela leva para as fotos. Todo movimento é pesado, devagar, pensado. O olhar sempre fixo, quieto, calmo. Fala sobre o amor constantemente, sempre como se fosse uma coisa tangível, uma coisa física que pode colocar no bolso e levar de um lado pro outro.

Ela acorda, o cabelo numa trança pesada sobre o ombro, as pernas caindo da cama. O cabelo na nuca é bem mais curto, uns 6 cm, que ela cortou e deu para o noivo da última vez que ela o viu. É assim o calendário dela, assim que ela mede o tempo longe do namorado. Ela olha esse pedaço de cabelo crescer. Vai para um canto do lado da cabana, tira o vestido estampado, se estica no sol. Os sininhos na pulseira dela fazem os barulhinhos deles. Enquanto ela respira, sempre vai ter música.

Créditos de Moda Dor Amores

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