Ronaldo Lemos: Todo poder às mulheres
Usar aplicativos de paquera como o Tinder se tornou algo normal, tanto entre homens quanto entre mulheres. Pouca gente percebeu, mas isso mudou por conta de uma virada feminista
Por muitos anos, paquerar na internet era visto como uma atividade meio bizarra. Se alguém procurava um novo amor (ou mesmo um caso passageiro) por meio de sites “de relacionamento” era porque estava em uma situação realmente desesperadora.
Se isso era verdade para homens, para mulheres o estigma era ainda maior. Nos primórdios da internet, as poucas mulheres que se aventuravam a ingressar nos sites de paquera (lembrando que aplicativos nem existiam naquela época!) eram assediadas por um número avassalador de homens em busca do par perfeito. A ponto de que esses ambientes virtuais de paquera muitas vezes se tornavam inóspitos para a presença feminina.
Corte rápido para o presente. Usar aplicativos de paquera no celular se tornou algo totalmente normal, tanto homens quanto mulheres marcam forte presença nos mais diversos tipos de aplicativos da nova geração, como Tinder, Happn e vários outros surgidos a partir de 2012.
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Pouca gente percebeu, mas isso tudo mudou por conta de uma virada feminista. A grande inovação do Tinder, do Happn e de tantos outros aplicativos novos que arrebataram milhões de usuários foi colocar as mulheres no controle. E isso foi feito de uma forma muito sutil e eficaz.
Se antes mulheres que ingressavam em apps e sites de paquera eram soterradas por caminhões de mensagens de potenciais parceiros afoitos, hoje esses aplicativos colocam todo poder nas mãos delas. A interação só acontece quando a mulher indica que tem interesse no pretendente do outro lado. Do outro lado, muitas vezes o amor permanece platônico.
Deu match
Um estudo recente da Universidade Queen Mary, em Londres, mostrou os efeitos práticos desse modelo. A conclusão é que homens e mulheres possuem comportamentos completamente diferentes em aplicativos como o Tinder. Homens tendem a indicar interesse em um número enorme de parceiras. No entanto, o retorno (“matches”) que recebem é de apenas 0,6%. Já as mulheres apresentam um comportamento mais seletivo, elas manifestam interesse em um grupo bem menor de pessoas. Em contrapartida, recebem de volta “matches” de 10% dos perfis que aprovaram.
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Essa dinâmica leva homens e mulheres a comportamentos extremos em direções opostas. Grande parte dos homens acabam indicando interesse por praticamente todas as mulheres que aparecem na tela do seu aplicativo. Já as mulheres indicam interesse estritamente em pessoas com quem de fato têm interesse, já que a chance de receber um “match” é muito maior.
Claro que este artigo considera somente as relações entre homem e mulher. A dinâmica de paquera LGBT pode ser muito diferente dessa. O fato é que todo o controle nesse modelo fica nas mãos das mulheres. Cabe a elas iniciar uma conversa se houver interesse. Pode parecer um detalhe, mas essa transferência de poder para o universo feminino revolucionou a dinâmica dos relacionamentos na internet. Primeiro ao eliminar o desconforto do assédio masculino constante na rede. Segundo, abrindo as portas para a popularização desse tipo de ferramenta, que hoje faz parte do tecido urbano de qualquer cidade.