Bonitas de verdade, por Ricardo Guimarães
Um dos maiores desafios da minha vida profissional foi fazer uma campanha de cosméticos voltados para mulheres mais velhas. A propaganda tem dificuldade em lidar com a vida real
Caro Paulo,
Ainda estou curtindo a entrevista que a Ariane fez comigo para as Páginas Negras da edição #255, que celebra os 30 anos da Trip. De novo, obrigado pelo carinho e pelo talento com que fui tratado. Aos 67, se tem muita história para contar. A sensibilidade para selecionar e costurar com um fio de meada que dê relevância e consistência ao relato foi percebida por todos que leram e me voltaram com ótimos comentários. Parabéns. Isso é Trip.
Uma das passagens mais dramáticas da minha vida foi, sem dúvida, quando tive que lidar com o preconceito da sociedade em relação ao envelhecimento da mulher. Foi a Natura que, em 1993, me levou a enfrentar esse desafio. A empresa me apresentou uma linha de produtos antirrugas com soluções para diferentes idades, dizendo que não queria mentir para a mulher prometendo que ela ficaria mais jovem. Com menos rugas sim, mas mais jovem não.
Como profissional e como empresário, tive que investir muito para satisfazer a Natura. Seguindo o briefing do produto e as crenças dos fundadores da marca, criamos dois conceitos fortes e inéditos: Verdade em Cosmética e Mulheres Bonitas de Verdade. Criar conceito é fácil, difícil é traduzir ideias em imagens. Foi uma inovação atrás da outra porque a propaganda em geral, e a de cosméticos em particular, não sabia trabalhar com a verdade.
A gente fazia pesquisa com os anúncios e as consumidoras diziam que a propaganda de antirrugas não podia mostrar a verdade, tinha que mostrar mulheres jovens fazendo papel de velhas mesmo que isso fosse uma fraude, uma enganação. Imagina que, naquela época, a Isabella Rossellini foi demitida da propaganda da Lancôme porque tinha feito 40 anos e ninguém falou nada. Era normal. Nosso desafio era encontrar a linguagem, a estética para falar da verdade de um jeito que desse prestígio social para a mulher madura, ou velha, e que ela se percebesse bela.
Old is gold
Gosto de usar a palavra “velho” de boca cheia para ressignificar a velhice. Precisamos criar o Old is gold do mesmo jeito que criaram o Black is beautiful e o Gay pride para ressignificar o negro e o gay.
Nosso desafio não era criativo. Era cultural. Mudar os valores da sociedade e o comportamento das pessoas. Tinha que mudar o jeito de fazer o casting (as agências só tinham mulheres jovens lindas, ou velhas engraçadas, ou vovós fofas), os horários da produção, a direção, a luz, a maquiagem, o cabelo, os orçamentos, os processos de criação e de aprovação com o cliente. Enfim, tinha que mudar tudo. Não era possível ter um efeito de “verdade bonita” trabalhando da mesma maneira que se produzia a “mentira bonita”. Graças a Deus tivemos parceiros incríveis que compraram essa briga. Cito Willy Biondani e Denise Gomes como símbolos de todos que participaram dessa aventura.
Quando descobrimos o caminho, os aprendizados vieram: tínhamos que mostrar a mulher inteira e não apenas um close de seu rosto como faziam com a modelo profissional de 25 anos; tínhamos que dar biografia para ela: nome, sobrenome, profissão e, o mais importante, dizer a idade! E ela não podia aparecer sozinha. Para enfrentar o preconceito de dizer a idade em público era preciso estar em turma. Colocamos juntas 18 mulheres bonitas de verdade, de todas as idades, profissões, cores, estaturas e gorduras. Deu certo!
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As consumidoras amaram. As redações de jornalismo feminino, moda e beleza aplaudiram a ideia e começaram a produzir editoriais com modelos que estavam encostadas por causa da idade. O sucesso foi tanto que, alguns anos depois, a Unilever reconheceu essa evolução de comportamento da mulher e usou a mesma abordagem para apoiar globalmente sua linha Dove.
Fizemos história. E, de quebra, mais uma homenagem para a nossa Trip trintona!
Abraço do amigo,
Ricardo