Não se vá

O que precisa ser feito para deixarmos de ser o eterno país do futuro?

por André Caramuru Aubert em

Escrevo esta coluna às vésperas de embarcar para Portugal. Segundo dados oficiais, há nada menos do que 115 mil brasileiros vivendo por lá. O curioso é que, durante séculos, Portugal encolheu. Mandou para o Brasil milhares e milhares de pessoas, inclusive um bocado de antepassados meus. A perda do Brasil em 1822, vaca leiteira que por tanto tempo sustentou a metrópole com ouro, açúcar, diamantes etc., parecia indicar a ruína definitiva do pequeno reino europeu. Em anos mais recentes, aquele país exportava mais gente do que bacalhau ou vinho, e os destinos preferenciais eram, além do Brasil, os Estados Unidos e outros países europeus. Meu padrasto esteve lá em 1974, como jornalista, para cobrir a Revolução dos Cravos, que encerrou 41 anos de uma ditadura colonialista e retrógrada. O Portugal que naquele momento inaugurava a democracia parecia, segundo ele contava, parafraseando Monteiro Lobato, o país em que tudo foi e nada é. Os velhos casarões estavam caindo aos pedaços, as pessoas se vestiam com roupas escuras, eram tristes e quase não havia jovens circulando pelas ruas.

E então, primeiro com a Revolução dos Cravos, depois com a entrada do país na União Europeia, em 1986, tudo mudou. Portugal iluminou-se: Angola e as demais colônias africanas se tornaram independentes e o país passou a ser admirado, invejado e almejado. O turismo explodiu. Embora o nível de industrialização seja baixo e a balança comercial esteja deficitária, o que conta, no fim das contas, é que hoje Portugal tem IDH elevadíssimo, um dos melhores sistemas de saúde e educação públicas do mundo, e está em 19º no ranking da ONU de países com melhor qualidade de vida, à frente, pasmem, de Alemanha e França. O Brasil, com todo o pré-sal, os infindáveis minérios, a abundância de água e a gigantesca área agricultável, está, em todos estes índices, lá embaixo.

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Não quero passar a impressão errada, então digo, de uma vez por todas, que não estou me mudando para Portugal. Mas muita gente está, inclusive pessoas próximas, e estou curioso para entender o que está acontecendo. Porque o que está acontecendo é nada menos que uma tragédia. Quando brasileiros bem-educados (e profissionalmente qualificados) começam a desejar ir embora de um dos países mais privilegiados do mundo em inúmeros aspectos, tendo como destino preferencial um país pequenino que, durante 500 anos, o que mais exportou foi gente, basicamente porque não conseguia sustentar os que lá nasciam, é sinal de que por aqui as coisas estão indo realmente de mal a pior. É muito triste que muita gente boa esteja achando que a melhor saída para o Brasil é o aeroporto.

FUI!

O contraste atual entre os dois países não é trivial. Afinal, somos, em boa parte, o resultado de um projeto português. Falamos a mesma língua. Durante a maior parte do nosso tempo de “nação brasileira”, nós fomos portugueses; quando ficamos independentes, nosso primeiro governante, Pedro I, era um monarca português; nossas primeiras leis tinham forte influência portuguesa porque nossos primeiros legisladores e juristas haviam estudado em Coimbra. E a presença portuguesa por aqui seguiu forte depois da República, a ponto de termos grandes times de futebol, como o Vasco da Gama e a Portuguesa, identificados com as colônias lusitanas.

Uma vez independentes, nós tínhamos predileção em menosprezar a antiga metrópole. Nosso potencial era infinito e nosso futuro, brilhante. Por décadas, fizemos piada e rimos dos portugueses. E quem está rindo agora? Se os portugueses acertaram o rumo, será que nós não conseguiremos? Eles deixaram de ser o país do passado. O que precisa ser feito para deixarmos de ser o eterno país do futuro?

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