Tcham, já era
O flow da nova política é colocar as causas acima das estruturas, para que surjam lideranças sem vícios e verdadeiramente representativas dos reais anseios da sociedade
A Parada LGBT é um protesto. Com muita alegria, arte e expressão, mas é um protesto. Contra a LGBTfobia, pelo amor, pela diversidade e pelo Estado laico. Tanto para mim, como para os membros e a banda do Acadêmicos do Baixo Augusta, que aprendemos a protestar com Carnaval pelo direito a uma cidade ocupada e colorida e acreditamos em outras linguagens de manifestação diferentes das que se prenderam em bolhas, estar na Parada foi uma experiência inesquecível.
O principal ponto a ser ressaltado nesse contexto de análise da Parada é a predominância das causas LGBT sobre qualquer estrutura tradicional que eventualmente defenda tais causas. As pautas são transversais e furam as barreiras da megapolarização da nossa sociedade. Aliás, esse ponto de vista é um alento nessa realidade em que usualmente as estruturas (partidos, sindicatos etc.) disputam o protagonismo das causas e por isso acabam prejudicando demais a ampliação da adesão às mesmas.
Nosso movimento carnavalesco, antes de tocar na Parada LGBT, organizou juntamente com outros blocos de Carnaval, artistas, produtores e ativistas culturais um grande ato pelas Diretas Já no Largo da Batata. Foram mais de 40 blocos, como Tarado ni Você, Agora Vai e Bastardo, o Arrastão dos Blocos, empreendedores como Facundo Guerra, ativistas como os membros da Mídia Ninja, artistas como Daniel Ganjaman, Mano Brown, Criolo, Pitty, Maria Gadú, Tulipa Ruiz, Emicida, Rael, Otto, Pericles, Chico César, entre outros.
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Apesar de o ato ser independente de forças tradicionais – todas com seus méritos de lutas e resistência na nossa sociedade tão injusta – foi natural, como aliás tem sido em atos desse tipo, que logo no início das atividades uma proliferação sem fim de bandeiras (vermelhas em sua maioria) ocupassem a frente do nosso trio elétrico – pago de forma colaborativa pelos organizadores aqui listados e que usamos como palco. Apesar da tentativa de alastrar a ideia de que todos ali estavam por uma causa maior, as estruturas tradicionais fizeram questão de expor suas marcas e disputar o protagonismo imagético do ato, gerando obviamente no início daquela tarde o efeito contrário da bandeira do arco-íris poderosa da Parada LGBT.
Depois de muita conversa e negociação, o apelo para que os estandartes carnavalescos aparecessem mais que mastros e tecidos erguidos por militantes pagos foi aos poucos tomando força. Algumas faixas Diretas Já brotavam do povo e até o verde e amarelo, não da camisa da corrupta CBF, mas da nossa bandeira, apareceu.
No fim do dia, um discurso histórico de Mano Brown fechou o ato, já com uma multidão que ocupava o Largo da Batata e fechava uma das vias da avenida Faria Lima. Depois de detonar o chefe da quadrilha, Michel Temer, que foi pego com a mão na cumbuca numa espécie de selfie, o gigante artista disse em alto e bom som: “Eu percebo que a juventude quer mudanças, ela não quer escolher o vermelho ou o azul, o verde ou o amarelo. A juventude quer justiça, quer transparência. Isso é um espinho na pata de um leão. Não adianta vir aqui defender partido A ou partido B. Tá errado também. Não concordo. Todo mundo teve sua chance. Foi pego, tcham, já era”.
Vivemos tempos difíceis. É preciso ter calma e aprender com o dia a dia. A maior lição que tive nesses dois momentos – tanto na Parada LGBT, como no ato das Diretas Já no Largo da Batata – é que o flow da nova política é colocar as causas acima das estruturas, para que surjam inclusive novas lideranças, sem vícios e verdadeiramente representativas dos reais anseios da sociedade. Sem isso, tcham, já era.