Virou cinema

Cineasta argentino que acompanhou a luta dos estudantes chilenos e brasileiros lança filme sobre as ocupações das escolas de São Paulo

por Camila Eiroa em

Ocupar e resistir. Esse foi o lema dos estudantes de São Paulo que ficaram por pouco mais de um mês em seus colégios no final de 2015, lutando contra a reorganização proposta pelo governo do Estado, que fecharia diversas escolas. Cada grupo estudantil teve suas táticas de luta, muitas delas inspiradas na Revolta dos Pinguins – movimento bem semelhante que aconteceu no Chile, em 2006, pela gratuidade do vestibular e do passe escolar e o fim da municipalização do ensino. Manuais de segurança e organização que os companheiros chilenos usavam circularam nos colégios e deram força aos secundaristas brasileiros.

O cineasta Carlos Pronzato, natural da Argentina, se dedica há anos a acompanhar os movimentos sociais e participou ativamente das ocupações chilenas. Da vivência, saiu o documentário A Rebelião dos Pinguins, estudantes chilenos contra o sistema, lançado em 2007. Morando no Brasil desde 1989, pegou seu equipamento e voou rumo a São Paulo quando soube do levante dos estudantes paulistanos. O resultado é o doc Acabou a paz, isso aqui vai virar o Chile, lançado em março deste ano.

"Circulo por vários países do sul do continente tentando me aproximar de histórias que não são muito contadas. No meio entra o tema estudantil", diz. O cineasta colheu diversos depoimentos dos ativistas, jornalistas independentes e organizações políticas ou autônomas, além de participar ativamente das manifestações que tomaram às ruas. À Trip, ele conta o que percebeu de semelhante entre os pinguins e os secundaristas de SP.

Nas ruas, estudantes usam carteiras escolares como escudo - Crédito: Caio Castor

Na Revolta dos Pinguins, eles criaram seus próprios métodos de guerrilha. Você sente que isso inspirou muito os estudantes de São Paulo? Foi algo muito útil. O filme que eu fiz dos Pinguins é de 2006, mas cinco anos depois eles entraram em processo de novo, com outros meninos e em outra cidade. É uma luta que não morreu por lá e foi potencializada através da internet, que foi fundamental para difundir essas técnicas com uma velocidade bem grande. Ninguém esperava que em São Paulo seria tão grande a movimentação e, se esperasse, não teria tido a força que teve. Foi uma coisa muito organizada, eles tiveram milhares de reuniões. 

Qual a principal diferença que você observou entre os dois países? A expressão do Chile teve um significado um pouco diferente daqui. Lá, desde o início dos anos 90 não acontecia nada que movimentasse um pouco o cenário político, desde a ditadura de Pinochet. Aqui não, tivemos 2013 com todo mundo nas ruas, 2011 com as ocupações inspiradas em Wall Street. A repressão no Chile foi bem maior do que aqui, por exemplo. E lá teve uma particularidade que foram as escolas particulares apoiando e dando força para as escolas públicas, diferente do Brasil. 

E quanto à resposta policial e do governo? No Chile a repressão é sempre brutal. Os carabineiros, como são chamados os policiais, têm uma força que vem de antes do processo militar no Chile. É muito mais violento que no Brasil, mas ao mesmo tempo isso é inversamente proporcional à resposta popular. O povo vai para a rua da mesma maneira. Eles enfrentam com pedras nas mãos, sem medo. Aqui o policial às vezes não tem a menor noção de como proceder na rua, lá eles sabem exatamente o que estão fazendo. Mas a repressão tem sua importância, ela cria mais pessoas que lutam contra isso.

Teve mais apoio popular aos estudantes no Chile? Porque aqui eles foram muito marginalizados. Os brasileiros tiveram menos apoio, claro. O fato de se inserir em um processo que a questão do impeachment ainda estava um pouco adormecida e ser um período de final de ano e festas não contribuiu para a permanência do movimento. Aqui, o pessoal poderia confundir a luta estudantil como uma luta contra o governo do PSDB, o que diminui o apoio. Mas a educação como um todo não depende só do governador de São Paulo, depende também do governo federal.

Os estudantes paulistanos estão voltando às ruas, o corte da merenda é um dos motivos, além do fato de algumas salas de aula estarem sendo fechadas mesmo depois da suspensão da reorganização. Você acha que a revolta pode explodir de novo? Acredito que sim e torço por isso. No fim das contas os estudantes são a vanguarda popular. Há uma continuação do que já vem de antes. Como os próprios alunos relatam, o fechamento das salas já estava acontecendo. A reorganização de fato não começou em novembro de 2015, mas veio à tona depois das ocupações. Infelizmente a gente fica preso nesse sistema de sucção desses meninos, até por organizações políticas. O interessante seria que isso se espalhasse pelo resto do país. Goiás está quase como um faroeste brasileiro, e isolado, os estudantes estão sofrendo com o abuso policial. Foi importante o que aconteceu em São Paulo pela visibilidade que teve, ajuda a refletir no resto do País.

Dos estudantes que você conheceu no Chile e aqui, você identificou alguma diferença de formação política e ideológica? É um tema complexo, porque os países têm formações escolares diferentes. O que eu sinto é que um país da América Latina tem um maior interesse na história. Claro que todo governo e instituição do Estado não quer ventilar muito as mazelas históricas que os países carregam, mas acho que há um maior interesse na leitura e nesse estudo. Eu vivi isso na escola, na Argentina. A formação que você tem no final do ensino médio é muito maior que no Brasil em um quinto ano de faculdade. Essa base de conhecimento é fundamental na hora de os estudantes irem para as ruas.

Assista Acabou a paz, isso aqui vai virar o Chile.

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