Bunda na Cadeia

''Quando cheguei a casa de detenção, ''mulher'' de preso era preso mesmo. Não existia visita íntima. Uma vez um bandidão quis me testar. O ódio tomou conta de mim e acabei por matá-lo a facadas"

por Luiz Alberto Mendes em

Quando comecei a ser preso no que hoje é a Fundação Casa, creio que eu tinha 12 anos de idade. Já naquela época o meu maior problema era a bunda. Os meninos maiores e os adolescentes que tomavam conta de nós queriam nos sodomizar na marra. Como não podia com eles, já que sempre fui pequeno, a saída era furá-los. Passava meus dias fazendo ponta em qualquer coisa, até na escova de dentes, para me defender. Furei, cortei e fui furado e cortado várias vezes. Mas a saída real era a fuga. O muro era alto, mas fazíamos escada uns dos outros e logo estávamos correndo pela avenida, fugindo dos “pega ladrão”. No Recolhimento Provisório de Menores, a coisa foi mais séria. Eram PMs que tomavam conta de nós e batiam pra valer. O “bicho” pegava quando os guardas nos trancavam. Na bunda localizava-se a nossa moral. Os mais fracos e menores eram sacrificados, viravam “meninas”. Apanhei, fui cortado e furado, mas jamais cedi e me vinguei sempre que pude. Foi o tempo em que mais sofri na vida, vivia para me defender. Jamais quis submeter ninguém, embora também fosse atraído por bundas. Sempre havia os que cediam porque gostavam ou se vendiam. 

Fui preso definitivamente aos 19 anos de idade e, na extinta Casa de Detenção, a moral ainda se localizava na bunda. Os mais inocentes eram vendidos a preço de cigarros ou balinhas de maconha assim que chegavam. Eram designados para os xadrezes de seus futuros “donos” sem saber o que estava acontecendo. Alguns já chegavam sendo depilados e preparados para “casar”. As facas eram longas, aqueles que resistiam eram estuprados ou até assassinados. Conheço histórias de companheiros que receberam visitas de parentes, inclusive mulheres e filhos, caracterizados de “meninas”. “Mulher” de preso era preso mesmo. Não havia visita íntima nem PCC para defender os mais fracos. Era cada um por si e “Deus” por todos, dizia-se. 

Dei sorte porque já era assaltante e havia roubado com alguns dos piores bandidos da época. Mesmo assim, por ser considerado “bonito”, encontrei um bandidão que quis me testar. Caso fraquejasse, minha moral ia para o lixo. Seria impraticável viver a vida toda sem moral na prisão. O sujeito queria me sujeitar a essa humilhação por causa de minha bunda. O ódio tomou conta de mim e acabei por matá-lo a facadas. Ele era enorme, só parei quando senti que ele não reagia mais.

 

SEXO ANAL 

Nos primeiros anos de prisão, sempre houve quem me importunasse. Reagi firmemente a todos. Por cerca de 20 anos, fui alvo de olhares lúbricos e bilhetes anônimos. Não se aproximavam porque sabiam que eu daria facadas até na sombra do atrevido. A minha primeira preocupação quando chegava a uma nova prisão era fazer uma faca. Estive em regime de castigo, a chamada solitária, muitas vezes por conta disso.

No final da pena, eu já estava mais velho e o PCC não permitia abusos de presos contra presos. As mulheres entravam na prisão e conseguimos, após muitos sacrifícios, a visita íntima. Então as coisas mudaram. Comecei a ser alvo daqueles que gostavam de ser possuídos. Claro que não resisti a todos, mas sempre tive companheiras e não carecia. 

Quando fui preso, lá fora somente prostitutas, e assim mesmo nem todas, praticavam o sexo anal. Ao sair da prisão, sexo anal já era bastante aceito. Algumas mulheres cediam e pareciam gostar. Agora, 11 anos depois, os costumes se aprofundaram. O sexo anal, assim como o oral, estão liberados; os preconceitos vão se extinguindo. A moral deslocou-se da bunda e passou a situar-se no comportamento. Mas a bunda passou a ter um valor inestimável. Exibir a bunda faz parte da moda; as mulheres de bunda bem-feita conseguem mais admiradores. Na prisão eu ouvia que “quem dá sorte é mulher de bunda grande”, e aqui fora parece que isso vai se confirmando. Vivo sendo surpreendido, como os valores se invertem no tempo, não é mesmo?

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