Até a última gota

Saiba por que Pollock, filme que retrata a vida do incrível pintor norte-americano Jackson Pollock, extrapola as telas e revela um novo diretor

por Redação em

Jackson Pollock: um covarde. Ed Harris: um corajoso.Essa é a impressão que se tem quando descem os créditos ao final do falado longa metragem Pollock, dirigido e atuado por Ed Harris em sua estréia como diretor. Trata-se de uma biografia deste incrível pintor expressionista norte-americano conhecido por sua técnica de pintar quadros respingando tinta na tela, sem que o pincel de fato toque no tecido. Explicarei.Jackson Pollock (1912-1956) foi imortalizado em um famoso retrato da revista Life onde aparece encostado em uma de suas enormes telas - ainda com a tinta fresca - de pernas e braços cruzados, vestindo jeans escuro com uma generosa barra dobrada pra fora, um cigarro sem filtro no canto da boca e um olhar que mistura mau humor e a segurança de quem sabe que veio a esta vida para fazer história. E esse era exatamente ele: um outsider autêntico na Nova York da década de 40, um bruto com um coração de artista cujo trabalho é capaz de ofuscar o espectador como se este olhasse fixamente para o sol - só que não se trata do sol. Pollock inventou uma técnica revolucionária de pintar, que mais tarde seria descaradamente copiada, em que o pincel não chega a tocar na tela, mas passeia a alguns palmos de distância respingando tinta em movimentos nervosos. No filme, o exato momento desta descoberta é mostrado como um mero acaso, quando o artista deixa cair gotas de tinta sobre uma grande tela colocada no chão.Jackson Pollock foi um gênio da pintura e, como todo gênio, não teve outra opção a não ser dedicar cada segundo de sua existência à própria arte. E é claro que todo o resto que rondava sua conturbada vida - família, esposa, amigos e pessoas em geral - era, para ele, de menor importância. Mas isso tinha um preço, tanto que vivia em crises de depressão que o levavam a vagar dias pelas ruas de Nova York como um mendigo maldito, e que só cessavam quando um Pollock descontrolado e quase infantil encontrava o colo de seu paciente irmão ou de sua esposa e também pintora Lee Krasner. Some a tudo isso litros de bourbon ingeridos diariamente - no filme, um problema elegantemente amenizado -, e você tem uma idéia do que foi sua breve vida: Jackson Pollock morreu, aos 44 anos, bêbado, num acidente de carro ao lado de sua lindíssima amante.Ousadia não faz históriaEd Harris, por sua vez, não tem metade do charme do pintor nem nunca foi apontado como gênio por seu trabalho de ator. Atuou em 38 filmes, de Apollo 13 a Truman Show, que não lhe renderam nenhum Oscar. Mas nem por isso se sentiu intimidado a estrear como diretor justamente num filme com tamanha pretensão - um projeto que levou dez anos para ser executado. Antes dele, diversos diretores roubaram facetas de Pollock para seus personagens sem que isso, no entanto, fosse devidamente creditado. É o caso do pintor egocêntrico Larry, retratado na pele de um Paul Newman de camiseta branca apertada no antigo What a way to go (1964), de J. Lee Thompson; ou de Nick Nolte como o pintor ultra cool Lionel the lion Dobie, em Life Lessons, a participação de Martin Scorcese em New York Stories (1989); ou ainda o próprio Basquiat (1996), de Julian Schanabel, onde o ator Jeffrey Wright passeia por sobre uma tela colocada no chão de seu estúdio - este estilo de pintar interagindo com a obra foi batizado de action painting e é (devidamente) creditado a Pollock.O fato é que Harris teve a coragem não só de ser o primeiro a dirigir e produzir uma biografia de Pollock, como ainda levantou da cadeira para interpretar, ele próprio, o cultuado pintor. Um mergulho seco de corpo, alma, conta bancária e ousadia que só quem dá a cara pra bater merece. O irônico é saber que, por melhor que seja a repercussão e crítica de Pollock, Harris, com toda a sua coragem, será lembrado como um ator-diretor no máximo 'ousado', enquanto Jackson, aquele que vivia chorando nos colos alheios, será - para sempre - o fodão.Ps. Ah, se o filme é bom? Triste, belo e necessário.(Giuliano Cedroni)Pollock, do diretor Ed Harris, com Ed Harris e Marcia Gay Harden, baseado no livro Jackson Pollock: An American Saga, de Steven Naifeh e Gregory White Smith, ainda sem previsão de estréia no Brasil.
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