Aniversários - Hitler - livro Memórias III
TEXTOS
Perdoem-me. Hoje me dou ao direito de conversar com você que me lê. Por quê? Bem, hoje faz 58 anos que nasci. Quando era menino, meu aniversário era comemorado com uma festinha com docinhos e suco (refrigerante não era divulgado ainda no país.) para as crianças da rua de casa. Recordo-me muito feliz nesses momentos. Depois, fugi de casa aos 11 anos de idade e ai nunca mais. Poucas foram as vezes em que não estive preso nesse dia. Então era sempre um dia triste em que eu sentia saudades de minha mãe (e continuo sentindo; ela morreu antes que eu saísse da prisão). Ela nunca esqueceu, eu era o único filho dela.
Não gosto de datas comemorativas. Elas doem. Hoje a lembrança daqueles momentos extremamente tristes e melancólicos ainda oprime. É obvio que, em parte, merecia e jamais disse em contrário. Mas lembrar aquele ser oprimido e contido que fui quase a vida inteira, dá dó e ainda molha os olhos.
Hoje ninguém se lembrará. Talvez minha sobrinha se recorde, deu até presente antecipado. A única (em tempo, um amigo mandou e-mail parabenizando agora). Nem meus filhos sabem que faço aniversário. Não vou ficar alardeando e não quero ser cumprimentado, por favor. Hoje é um dia amargo. E, por conta disso me dou ao direito de ser egoísta. Eu o quero só para mim para curtir essa melancolia suavemente.
Mudando de assunto, estava trabalhando um livro aqui na madrugada e um trecho dele, me fez lembrar algo. Em um momento de sua história, Adolf Hitler conta que possuía um cão que não o obedecia. Era desatentar e o danado fugia de casa. Tocava procurá-lo. Até que cansou e o prendeu a uma corrente. Arremata o famoso ditador nazista afirmando que o cão estrangulou-se na corrente.
Veja se isso tem a ver com o que escrevi no livro:
“A água minava das paredes. O chão estava molhado e parecia que seria inundado. A luz era amarela. Fiquei ali na penumbra a me pensar como um pássaro assustado, com as penas em desalinho, olhando com um brilho fosco e perdido. Desabei em escombros, pedras e poeira de todos meus enganos. Meu coração soterrado, olhos triturados e minha ossada misturada à argamassa ressequida. Recompunha meus erros e distribuía meus pecados em todos os dias que me viram existir.”
Tem a ver? Não saberia lhe explicar como tudo isso faz sentido para mim hoje, a memória é estranha.
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Luiz Mendes
04/05/2010.