Quero o meu futuro de volta
Enquanto achamos nossa tribo melhor do que as outras, os oceanos vão subindo e o ar vai se tornando, em todos os sentidos, mais irrespirável
Devo confessar: sinto muita saudade do futuro. Sou a raspa do tacho, a última geração nascida num mundo que acreditava que as coisas sempre melhoravam, se aperfeiçoavam, evoluíam. Um mundo que acreditava tanto na palavra “progresso” que até mesmo achou uma boa ideia escrevê-la na bandeira de um país.
Progredir foi a ideologia reinante no mundo pós-iluminista. Darwin foi lido como alguém que explicava que a vida na Terra, desde os primeiros estromatólitos, evoluiu até chegar aos seres superiores que somos nós, os humanos – mas não foi bem isso que ele escreveu. No campo ideológico, se um liberal e um marxista podiam alimentar entre si todos os ódios e divergências, numa coisa concordavam: ambos viam os respectivos modelos, quando corretamente aplicados, como o ápice do “progresso”.
Pois esse mundo confortável, em que o amanhã será sempre melhor que o ontem, acabou. Voltamos aos velhos tempos, quando o que o futuro trazia para as pessoas era, acima de tudo, medo. Para os antigos, no futuro poderia haver fome, epidemias, ataques de caçadores de escravos e assim por diante.
Progresso? O que temos feito é procriar além da conta, inundando o planeta com mais e mais membros de nossa espécie incrivelmente voraz, com gente superalimentada ao lado de gente passando fome. Temos poluído cada recanto da Terra em dimensões bíblicas, ao ponto que, mesmo que você esteja na mais isolada ilha no mais remoto dos oceanos, comerá peixes com fragmentos de plástico e respirará partículas sólidas produzidas por algum distante automóvel.
Renascimento do fanatismo
Para piorar, temos renegado as melhores coisas que o Iluminismo nos legou: a razão, a democracia e a tolerância. Estamos assistindo a um renascimento inacreditável de fanatismos das mais diversas colorações, de preconceitos religiosos, étnicos, de gênero, acompanhados, naturalmente, de burras negações de evidências científicas. Aliás, um aparte: é curioso como essas negações são seletivas, pois ninguém rejeita a ciência quando entra num avião. O fato é que, nos poucos anos entre a adolescência e a idade adulta, meu futuro passou de doce utopia a amarga distopia.
Porém, além da saudade da época em que acreditava que com o passar do tempo tudo iria melhorar, o que posso fazer? Será que nessa altura do campeonato adianta sair pedalando, assinar petições para proteger tatus selvagens e fazer doações para alguma ONG? Meu medo é que tenhamos ido longe demais em nossos abusos, e que, por mais que façamos, esteja um pouco tarde para resgatar nosso futuro.
Ao menos em parte, é certo que já passamos do limite. Você já viu um leão da barbária? Não, nem vai ver. Esse animal, um dos prediletos dos romanos para uso nos coliseus, está extinto desde 1922. O rinoceronte branco do norte, se você se apressar, ainda poderá conhecer, pois os últimos três sobreviventes estão num zoológico da República Tcheca. Isso para falar de duas espécies que chamam a atenção, sem mencionar a gigantesca lista de vegetais, pequenos mamíferos, répteis, pássaros, moluscos e peixes extintos ou em vias de extinção pela ação do homem. Enquanto continuamos achando nossa tribo melhor do que as outras, os oceanos vão subindo e o ar vai se tornando, em todos os sentidos, mais e mais irrespirável.
Não podemos, porém, jogar a toalha. Temos nas mãos conhecimento científico e tecnologia suficientes para minimizar bastante os estragos que temos feito, até mesmo para reverter muita coisa. E somos dotados da racionalidade requerida para construir sociedades mais justas e tolerantes. O que falta é vontade. É por isso que, mesmo enquanto atacamos o macro, devemos agir e dar o exemplo no micro. Não jogar lixo nas ruas, não fazer fogueira nas praias, respeitar as diferenças. Vamos tentar – pelo menos tentar – trazer nosso futuro de volta.
Créditos
Imagem principal: Ivan Grilo