Deep Diving
Abilio Diniz já passou por muitas situações-limite, mas agora prefere contemplar o risco do que se jogar em altas doses de adrenalina
Entre os muitos ensinamentos que ouviu do pai, Valentim, um imigrante português de origem humilde que chegou ao Brasil aos 16 anos, o empresário Abilio Diniz destaca um: “Se estiver dirigindo, eu prefiro que você passe por um sinal vermelho com muito cuidado e atenção do que atravesse um sinal verde sem olhar. Se for devagarinho, olhando para todos os lados, não vai acontecer nada. Se passar na correria, pode ser atropelado por outro carro. Não deixe nada ao acaso”.
O mote da nossa conversa é risco e é na simplicidade da metáfora que se entende o olhar para o tema do homem à frente da Península, fundo de investimento privado com participações acionárias em organizações como Carrefour Brasil, Carrefour Global e BRF, e onde a Trip foi recebida para este encontro. Com uma trajetória marcada pela reinvenção e na qual sucessos e percalços andaram lado a lado – que inclui, por exemplo, a construção de um império familiar no varejo e a entrega de seu controle em um processo truncado –, Abilio Diniz conviveu com o risco em praticamente todas as etapas da caminhada. “Profissionalmente, sempre cheguei ao limite para a tomada de riscos. Mas limite cada um tem o seu. Não importa se o meu é muito antes do perigo ou à beira do precipício. Eu sempre fui muito no limite, mas dentro daquilo que considero um risco que pode ser tomado, levando em conta o conhecimento do que está em volta. Gosto de analisar todas as possibilidades e de ter planos A, B, C e D”, conta.
Apesar de a precaução ser sempre um recurso, há um episódio pessoal em que ele reconhece que a lógica do controle lhe escapou: o do sequestro, em dezembro de 1989, quando foi pego em uma emboscada e passou sete dias em cativeiro. “Eu era o único da minha família que não andava com segurança. Ficava pensando: ‘Quem é o maluco que vai se meter comigo?’. Eu era forte, preparado fisicamente, tinha sido treinado por israelenses e sabia atirar. Só que fui sequestrado quando estava sozinho e por dez pessoas que usaram três carros. Por mais forte que eu fosse, não conseguiria vencer um exército. É uma prepotência tão grande que você não consegue mensurar que do outro lado os outros também podem se preparar, e que você pode não ter sucesso. A lição que ficou é que ninguém é onipotente. A gente é o que é e estamos sujeitos a fracassos e vitórias.”
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O confronto com a realidade dolorosa, nas palavras dele, foi algo que trouxe a noção de limites, e, com o tempo, a arrogância deu lugar à ponderação. “Hoje, estou mais para padre do que para lutador”, brinca. E o fez rever, inclusive, a postura como pai. Abilio tem seis filhos: quatro do primeiro casamento com Auriluce (Ana Maria, 57; João Paulo, 55; Adriana, 53; e Pedro Paulo, 48), e dois, do segundo, com Geyze (Rafaela, 12; e Miguel, 9). “A relação com meus filhos é interessante, porque tem os adultos e os pequenos. Dos mais velhos, me tornei amigo e conselheiro e com os mais novos tem essa coisa de ensinar, no sentido da formação mesmo. Não que eu seja mais light com a Rafa e o Miguel, porque a essência é a mesma, mas já fui mais pontiagudo e intempestivo. Posso dizer que estou mais compreensivo.”
A nova endorfina
Quem acompanha Abilio nas redes sociais pôde notar que um de seus últimos feitos foi ter mergulhado pela primeira vez com cilindro de oxigênio, aos 82 anos. Ele conta que a ideia de fazer a viagem em família às ilhas Maldivas partiu de Geyze. Chegou a titubear – “Vou ficar me divertindo com um livro enquanto eles mergulham” –, mas não aguentou e quis experimentar também.
Antes de entrar no mar, algumas dúvidas passaram pela cabeça: “Será que eu vou me dar bem, saber controlar minha respiração. Será que eu vou tentar resolver tudo na base da força se algo não der certo?”. Durante o mergulho, um colete mal colocado fez com que ele virasse de barriga para cima algumas vezes, criando dificuldades de se manter submerso, mas nada que o tenha feito se afobar e desistir. “Fiquei tão orgulhoso de ter conseguido; e fiz questão de contar para o meu analista. Debaixo d’água, a primeira coisa com que você se depara é uma tranquilidade muito grande. Uma paz, bem diferente de outras coisas que eu já havia feito. Foi uma experiência que tem tudo a ver com essa fase da minha vida.”
Abilio, por sinal, acredita viver um de seus melhores momentos. A tal ponto em que elaborar o risco parece fazer muito mais sentido do que buscar a adrenalina pela adrenalina: “Não é porque eu já vivi bastante que nada mais importa. Tenho minha mulher, meus filhos e uma vida que eu adoro. Então, estou numa fase de investigação, de ver até onde eu posso ir”.
A conhecida rotina de esportes do empresário, que já foi campeão de automobilismo nas Mil Milhas de Interlagos e tricampeão de motonáutica, é mais focada atualmente em atividades que privilegiam o alongamento, a isometria e flexões, como pilates, musculação, squash e boxe. “Hoje, eu não correria mais de automóvel, de lancha, não jogaria mais polo, situações em que a adrenalina vai a mil e, quanto mais barulho, mais você quer ficar. Não porque eu não tenha capacidade física, mas por que há coisas que são mais importantes: estar com meus filhos pequenos, de 9 e 12 anos, e me manter jovem, forte e saudável até o momento em que eu puder levá-los ao altar. Claro que a vida pode terminar por algum risco. Mas a minha parte eu procuro fazer”, finaliza.
Créditos
Imagem principal: Arquivo Pessoal