Erica de Paula: uma luta pelo direito de escolher
O fundamental, segundo a Doula, não é necessariamente ter um parto natural. É ter acesso às informações e possibilidades. É se emponderar!
Em tempos de discussões tão acaloradas sobre os direitos das mulheres nas redes sociais, três conceitos tão difundidos quanto mal interpretados vem ganhando destaque: feminismo, empoderamento e parto humanizado! Mas o que querem dizer esses termos e qual a relação entre eles?
- Feminismo: ao contrário do que muitos pensam, feminismo não é o oposto de "machismo" (ou seja, nada tem a ver com a dominação do gênero feminino sobre o masculino), e sim um movimento que luta por direitos iguais. O feminismo moderno é extremamente plural e diversificado, e, embora nem todas as feministas se identifiquem com algumas correntes do movimento, ele possui como fundamentos básicos a luta contra o sistema patriarcal que privilegia os homens e a promoção da equidade de gênero. Se você acha que a mulher tem o direito de receber o mesmo valor do que o homem para fazer o mesmo tipo de trabalho, que não pode sofrer violência física ou psicológica e deve ter autonomia sobre seu corpo (inclusive no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos), então você é feminista. Independente de maquiar-se ou não, de depilar-se ou não, de querer ou não ter filhos, de ser ou não ser "feminina". Pois o feminismo diz respeito a liberdade.
- Empoderamento: é um conceito que traz consigo a ideia de autonomia e emancipação, de forma que o indivíduo empoderado conheça todas as possibilidades e suas implicações, seja plenamente responsável por suas escolhas e esteja consciente de suas consequências, vivendo de acordo com seus valores. Portanto, quando nos referimos a uma mulher como "empoderada", queremos dizer que ela retomou o poder sobre seu corpo e suas escolhas (que muitas vezes estava nas mãos do Estado, do profissional de saúde, de figuras de autoridade, da família etc.).
- Parto humanizado: é sinônimo de um parto em que os desejos da parturiente são respeitados, uma vez que ela esteja devidamente esclarecida a respeito de suas opções. O parto humanizado não é necessariamente sinônimo de parto natural, mas garante que a mulher e o bebê só sofrerão intervenções se estas forem realmente necessárias e/ou após o seu consentimento. Ou seja, ele tira o protagonismo do profissional da saúde e o transfere para o binômio mãe/bebê, com o respaldo da medicina baseada em evidências científicas, garantindo assim sua segurança. Humanizar o parto também significa considerar esse evento não apenas um evento fisiológico, mas que abarca todos os outros aspectos que dizem respeito a esse momento.
Dito isso, como feminista e ativista pela humanização do parto e nascimento, eu não luto para que você escolha o parto normal. Eu luto para que você tenha acesso a todas as informações necessárias e se empodere para tomar uma decisão consciente a respeito de como você prefere trazer seu filho ao mundo. Para que você desmitifique o assunto. Para que você saiba as vantagens e desvantagens de cada opção. Para que você questione (seus próprios medos, o sistema, o seu médico – se for preciso). Para que você saiba que, sim, você é capaz e, sim, parir pode ser muito bom! Para que você seja a verdadeira protagonista desse momento. Para que o parto possa ser considerado um evento bio-psico-social-espiritual, e não apenas um evento médico. Para que você, desejando um parto normal, receba uma assistência digna e seja assistida por bons profissionais (inclusive se a cesariana for necessária e bem indicada, situação que ocorre em até 20% dos casos). Para que você, tendo um parto normal, não sofra intervenções desnecessárias e não seja violentada como são 1/4 das brasileiras que se percebem vítimas de violência obstétrica (número muito maior quando consideramos a violência oculta, já tão institucionalizada que nem sequer é percebida). Para que você conheça uma terceira opção que vai muito além de um parto traumático versus uma cesariana eletiva. E que essa terceira opção (no caso, o parto humanizado) faça todo o sentido para você. Ou não.
E se você, tendo acesso às melhores informações disponíveis, ainda assim optar conscientemente por uma cesárea, terá todo o meu absoluto respeito. Da mesma maneira que não devemos estereotipar a mulher que opta pelo parto humanizado (como sendo hippie, índia etc.), não devemos estereotipar quem de fato escolhe uma cesariana (como sendo uma "mãezinha enganada pelo obstetra" ou uma "patricinha que quer agendar para dar tempo de fazer unha/escova/depilação" ou qualquer outro motivo fútil e irrelevante).
O verdadeiro empoderamento consiste em se informar, fazer uma escolha e então bancar essa escolha, com todas as consequências que isso traz! Acima de tudo, a luta é pela autonomia. Mesmo que a sua escolha não seja compatível com a minha.
Érica.
Érica de Paula foi homenageada no Trip Transformadores de 2014. Assista aqui sua história.
* Acompanhe aqui, semanalmente, os textos de grandes pensadores da sociedade brasileira, que já passaram pelo palco do Trip Transformadores.