Com a leitura, a criança aprende a sonhar
Com programa de mentoria voluntária, a psicóloga e educadora Maria Cecilia Lins, fundadora do Instituto Pró-Saber SP, potencializou o trabalho de levar livros e brincadeiras a crianças carentes
Quando se mudou para São Paulo, em 2001, a psicóloga e educadora carioca Maria Cecilia Lins, então com 31 anos e mãe de três crianças, ficou indignada. “Era chocante ver as oportunidades que os meus filhos tinham, e que as crianças de comunidade, não”, diz ela.” A solução que encontrou para dar sua contribuição foi criar o instituto Pró-Saber SP, voltado para alfabetizar e levar leitura e brincadeiras a crianças da favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. “A ONG nasceu dessa vontade de ensinar a ler e a escrever na idade certa. Leitura, brincadeira e protagonismo estão no nosso DNA”, explica.
Desde 2003 dependendo principalmente de doações e parcerias, no ano passado Maria Cecilia resolveu dar o próximo passo e inscreveu o Pró-Saber SP no edital do VOA, o programa criado pela Cervejaria Ambev para compartilhar com ONGs os conhecimentos em gestão da companhia. Ao ajudar essas organizações a se estruturarem melhor, a empresa espera potencializar e otimizar o efeito dessas ações na sociedade. “A gente se atreveu a pular esse muro, a aprender formas mais atuais e efetivas de gestão”, diz Maria Cecilia.
“Leitura, brincadeira e protagonismo estão no nosso DNA”
Maria Cecilia Lins
Neste que foi o primeiro ano do programa, 185 ONGs de todo o Brasil – que atingem um total de 2 milhões de pessoas – foram selecionadas, dentre quase 2 mil inscritas, para receber consultoria em gestão de orçamento, planejamento estratégico, captação de recursos, estabelecimentos de metas e indicadores em 12 mil horas de aula ministradas por quase 200 funcionários da Ambev, empresa que incentiva o voluntariado entre sua equipe.
“Tivemos aulas de administração de empresas e consultoria direta de um funcionário da Ambev. Isso nos fortaleceu bastante enquanto organização”, reconhece a educadora. “Nos deu estofo e uma nova visão para aproveitar ao máximo nossos recursos e ampliar parcerias com o setor privado.”
Em 16 anos de atividade, o Pró-Saber SP já impactou 1,5 mil crianças. “A gente tem o grande sonho de atingir metade das crianças entre 4 e 8 anos de Paraisópolis”, revela. A comunidade tem população total de 70 mil pessoas, sendo que, dessas, 5 mil são crianças. A ONG está dividida em quatro programas: Pró-Ler & Brincar, Formação das Famílias, Formação de Jovens Multiplicadores e Biblioteca Comunitária.
Diálogo aberto
O Pró-Ler & Brincar atende crianças de 4 a 8 anos, não só na ONG como também em escolas públicas, com a intenção de alfabetizá-las entre os 6 e os 8. A isso soma-se o incentivo à leitura e à brincadeira. “É a garantia de aprender a ler e a manutenção do direito de brincar. Todo dia, a criança escuta uma história e assim, aos poucos, ela passa a se encantar pela leitura e a se constituir enquanto leitora.” Embora a alfabetização recorra a métodos pedagógicos modernos (a educadora Madalena Freire, filha de Paulo Freire, foi formadora de professores da ONG ), a parte da brincadeira é livre, com os alunos à vontade em um espaço cheio de brinquedos.
“Todo dia, a criança escuta uma história e assim, aos poucos, ela passa a se encantar pela leitura e a se constituir enquanto leitora”
Maria Cecilia Lins
O programa Formação das Famílias consiste justamente em criar um diálogo aberto com os pais das crianças atendidas. “Achamos que essa parte é fundamental para que os pais estimulem a criança a desenvolver em casa aquilo que aprende dentro da sala. Temos relatos emocionantes de pais que estreitam seu vínculo com os filhos por meio da leitura”, comemora a fundadora da Ong.
Já a Formação de Jovens Multiplicadores consiste no recrutamento e no treinamento ao longo de um ano para jovens de ensino médio atuarem como facilitadores de leitura e de brincadeiras em escolas e espaços lúdicos ou culturais. E a biblioteca Pró-Saber, instalada na comunidade, possui acervo de 15 mil livros infantojuvenis – entre abril e setembro deste ano, foram realizados 34 mil empréstimos. Os cadastros são gratuitos e para tirar a carteirinha a criança não precisa de documento ou comprovante de residência.
Maria Cecilia se mostra gratificada com os resultados. “Com a leitura, a criança aprende a sonhar, aumenta o vocabulário, cria empatia, amplia a criatividade e o vínculo com outro. Você se torna muito mais humano quando é leitor."