Aretha Duarte: primeira brasileira preta no topo do Evereste

A escaladora da periferia de Campinas juntou dinheiro catando material reciclável para subir a montanha mais alta do mundo

por Redação em

Um princípio de edema pulmonar e queimaduras na retina foram os menores desafios de Aretha Duarte em sua jornada ao cume do Monte Evereste. Esses problemas surgiram apenas durante a escalada, que terminou no dia 23 de maio, a transformando na primeira mulher preta latino-americana a conquistar a montanha mais alta do mundo (8.849 metros de altura).

Obstáculos muito mais severos vieram antes, como os 400 mil reais necessários para a viagem. Nascida na periferia de Campinas, Aretha se voltou a uma atividade que conhece desde criança e a qual sempre recorreu quando precisou de dinheiro: a catação de resíduos recicláveis. À medida que pessoas e empresas se solidarizavam com a campanha que recebeu o nome de Aretha no Evereste, mais aumentava a rota da atleta em busca de latinhas, plásticos, papelões e outros materiais. Com uma caminhonete usada, tudo era recolhido e vendido em até oito rotas ao ferro velho por dia. E em pouco mais de um ano o esforço rendeu 35% do valor necessário para a aventura. O restante veio das economias no trabalho como guia em uma agência de aventuras, a Grade 6, também de Campinas, e de patrocinadores que aos poucos foram surgindo, sugados pela determinação da montanhista. "O Evereste é só uma parte do meu objetivo, que é socioambiental", diz já sonhando em levar paredes de escalada à bairros pobres como o seu.

Outra barreira foi a da representatividade. O primeiro homem a chegar ao cume do Evereste foi o neozelandês Edmund Percival Hillary, em 1953. Foram precisos outros 22 anos para a japonesa Junko Tabei se tornar a primeira mulher a realizar o feito, em 1975. A primeira mulher negra, Sophia Danenberg, chegaria apenas em 2006. E a primeira mulher negra latino-americana foi Aretha, naquele domingo de maio.

Em entrevista ao Trip FM, ela conta detalhes da escalada, fala sobre a dura rotina de treinos e revela o que almeja para o futuro. Ouça o programa no Spotify, no play abaixo ou leia um trecho da entrevista a seguir.

Trip. Aretha, vi que sua mãe conta uma história sobre como você comprou seus patins, quando criança, vendendo latinhas para reciclagem. Conta mais um pouco da sua origem, da sua família.

Aretha Duarte. Minha mãe é referência de garra e determinação. A mulher que mais amo. A minha mãe e seus irmãos vieram de Pernambuco buscando melhores oportunidades profissionais. Eu sempre fui à escola, escola pública, mas tive acesso à educação. E tinha sociabilização também: na periferia onde moro a gente tem muito contato, muita relação acontecendo na rua. Eu não senti falta de nada, a minha infância foi maravilhosa. Isso foi garantido pelo meu pai e minha mãe. Sou caçula de três irmãos e nós todos sentimos isso.

Como foi essa história de catar reciclável? É difícil até imaginar, porque pelo que a gente sabe, o material reciclável gera muito pouco dinheiro para conseguir levantar esse orçamento de 400 mil reais. Trabalhar com reciclável me pareceu uma escolha muito simples, ainda mais no momento de pandemia, no qual as opções eram poucas. Se a gente pensa em um volume pequeno, realmente é difícil imaginar conseguir juntar esse dinheiro todo. Mas foi juntando reciclável que eu consegui aproximadamente 110 mil reais do orçamento total. Foram 130 toneladas ao final. Assim que eu estabeleci que iria escalar o Evereste comecei a espalhar o projeto. As pessoas foram se engajando. As empresas entraram também; nelas o volume era bem maior. Todos os dias depois de decidir fazer a escalada eu trabalhei.

Aretha Duarte em sua jornada ao cume do Monte Evereste - Crédito: Gabriel Tarso

O que é que dava força a você durante os maiores perrengues da escalada? O que você mais ficava com saudade da sua vida cotidiana, das pequenas coisas? Por ser uma expedição muito longa, a probabilidade de surgirem adversidades é muito grande. Eu pedi a minha mãe para me levar uma marmita no dia da chegada com o arroz da minha avó, chuchu refogado e bacon – era o que mais sentia falta. A gente come o mesmo cardápio todos os dias na montanha. Quando tive início de edema pulmonar ou queimadura de retina, pensava que talvez não desse para terminar a escalada, mas logo lembrava que a conquista já não era mais minha. Eu lembrava de uma legião de pessoas pretas querendo que eu chegasse. Minha família de pernambucanos desejando o meu sucesso. Lembrava dos doze meses carregando quinhentos quilos de material reciclável todos os dias para tornar isso realidade. Foi essa minha crença que me fez, no dia de ataque ao cume, sentir-me como a pessoa mais forte do mundo, ao ponto de convencer o meu guia a continuar, no momento em que ele sentiu frio e pediu para voltar. Naquele momento senti que a minha tentativa estava frustrada e chorei. Aos prantos, pedi para subir, mas que se ele tivesse que ficar doente, a gente voltava. Ele enxugou minhas lágrimas, colocou minha viseira, minha máscara de respiração e fomos em frente, mais oito horas de caminhada. 

"O Evereste é só uma parte do meu objetivo, que é socioambiental", diz já sonhando em levar paredes de escalada à bairros pobres como o seu - Crédito: Jennifer Amaral

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Imagem principal: Gabriel Tarso

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