Wi-FI no lago Walden

Sal rosa do Himalaia, sal negro do Havaí ou sal azul da Pérsia?

É difícil acreditar, mas houve um tempo em que mesmo um daltônico sem conhecimentos de geografia conseguia temperar sua comida tranquilamente. E o cafezinho que tomava em seguida não enfrentava dilemas ligados à safra, ao blend nem à torra.

Só era preciso harmonizar a fome com a vontade de comer.

Mas isso foi antes do hiperconsumo, esse fenômeno que afeta todo e qualquer CPF em maior ou menor grau – seja na hora de comprar os ingredientes do jantar, seja na hora de checar as dezenas de ofertas imperdíveis que burlaram seu anti-spam. 

Um levantamento da empresa americana Media Dynamics estima que uma pessoa seja exposta a 360 anúncios por dia. Querendo crer que ainda não inventaram merchandising em sonho, a cada 5 minutos acordado pipocam dois anúncios para disputar sua atenção.

Compra, compra, compra. E os níveis de consumo atuais já ultrapassaram a capacidade do planeta. De acordo com o Global Footprint Network, estamos no cheque especial da Terra: usamos 50% mais recursos naturais do que seria sustentável. Compra, compra, compra?

Para aparecer em meio a tantas ofertas, a publicidade fica cada vez mais intrusiva. Para garantir alguma relevância, as marcas fazem promessas mais e mais transcendentais.

Depois do greenwash, aquele banho verde para deixar empresas com jeito de ecologicamente corretas, é a vez do purposewash: o produto se disfarça de propósito, abraçando uma causa supostamente elevada. Aí, em vez de abrir uma garrafa de refrigerante açucarado e gaseificado, você abre a felicidade. 

Até o consumo consciente escorrega em delírios fetichistas. Rúcula orgânica é pouco, quero hidropônica e cultivada por um biólogo antroposófico que morou na Califórnia. Camiseta fair trade não basta, precisa ser confeccionada com algodão de sementes crioulas colhido durante a lua cheia.

Tudo isso reduz cidadãos a consumidores. Você é aquilo que compra. A reportagem "De quanto você precisa", na Trip e Tpm deste mês, aponta caminhos para escapar desse ciclo autodestrutivo. 

Lá no século 19, francamente, a saída parecia mais simples. O desobediente filósofo Henry David Thoreau trocou a civilização por uma vida isolada e autônoma – exceto pelas mudas de roupa que entregava para sua mãe lavar... "Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido", explicou.

Hoje, periga encontrar às margens do lago Walden, onde ele se instalou numa cabana simples, uma fileira de mesas e cadeiras de metal com logomarca de cerveja e wi-fi grátis em troca do check-in na fanpage do bar.